Sobre o objetivo deste blog.

Os textos a serem postados aqui neste blog se referirão sobremodo ao campo da clínica (da psicoterapia e da técnica) e suas interfaces, tais quais, a arte (literatura e cinema) e o social (política e subjetividade). O objetivo deste blog é servir como um meio de informação acerca da relevância e viabilidade do processo psicoterápico, bem como levar à reflexão acerca da contemporaneidade através do arcabouço teórico psicanalítico.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Algumas respostas rápidas sobre psicologia e psicanálise.

Alguns alunos de psicologia e da área de saúde me procuraram para responder um questionário semelhante. Disponibilizo por aqui, talvez tenha alguma serventia também para quem lê esse blog.

Questões sobre psicologia e saúde


1. O que é a psicologia?

A psicologia pode ter diversas definições a depender da abordagem que se utiliza. Pode ser vista, por exemplo, como um estudo do comportamento humano, como uma análise das motivações ou como uma investigação acerca do inconsciente. Essas são as definições das chamadas “três grandes forças da psicologia”: behaviorismo (comportamentalismo), humanismo e psicanálise, respectivamente. É por isso que diversos autores, como Ana Maria Bock e Luís Cláudio Figueiredo, afirmam a existências de psicologias (com “s” no final para sinalizar a pluralidade desse saber). No entanto, para dar uma conceituação ampla que dê conta da profissão de psicólogo, pode-se dizer que a psicologia é o estudo do psiquismo em suas diversas dimensões: comportamental, motivacional, inconsciente etc.

2. Qual a diferença entre psicologia e psiquiatria?

Embora ambas tenham se constituído enquanto “ciência independente” com seus próprios métodos, técnicas, objetivos e formas de intervenção, psicologia e psiquiatria frequentemente possuem objetos híbridos, em comum. Por exemplo, a questão da loucura e das perversões é um ponto de junção entre psicologia e psiquiatria. No que se refere à psicanálise, sua diferença está na ênfase dada não aos sinais e sintomas (embora não os desconsidere, apenas não é o centro de sua análise), mas à etiologia psíquica. Vou pegar como exemplo a histeria. Uma modificação básica realizada por Freud com relação à psiquiatria vigente foi a de procurar fundar as neuroses não pela semiologia, isto é, por seus sinais e sintomas, mas sim pela etiologia metapsicológica, ou seja, pelo funcionamento psíquico, pela psicogênese do sintoma. Assim, por exemplo, a neurose não se define pela paralisia dos membros, mas pela conversão, que é o mecanismo que a produz, a sua condição de possibilidade enquanto sintoma. Assim, o sintoma não é mais do que a manifestação de um conflito inconsciente. A atenção deve voltar-se, portanto, não tanto para a espetacularidade dos sintomas histéricos, mas para o seu silencioso dispositivo psíquico. Trata-se, de fato, de um deslocamento fundante da psicanálise enquanto método de investigação do psiquismo humano.

3. O que são linhas as teóricas da psicologia e qual é a função delas para o trabalho do psicologo?

Linhas teóricas são um conjunto de características que englobam um tripé: conceito de sujeito (as relações entre normal e patológico, além de um certo entendimento sobre o sofrimento psíquico) baseada numa teoria, instrumentos de intervenção alicerçados numa técnica que os organiza e os dá sentido e uma psicoterapia que nada mais é do que uma aplicação da teoria e da técnica num certo espaço delimitado, como o consultório, o hospital, a instituição etc. A função das linhas teóricas, ou abordagens da psicologia, é dar consistência à atuação e intervenção do psicólogo além de auxiliá-lo na compreensão do sujeito humano. A abordagem é que garante eficácia às ações do psicólogo, são elas que garantem a produção de resultados. Caso o psicólogo oscile entre uma abordagem e outra, numa mistura eclética, não estará somente pecando no que se refere à ética profissional, mas também pondo em risco a integridade psíquica daqueles que solicitam seu serviço.

4. Quais os principais campos de atuação da psicologia e como é o trabalho da psicologia nestes âmbitos?

Sem dúvida, atualmente o campo da saúde mental é um dos principais campos de atuação do psicólogo. Os recentes avanços provocados pela Reforma Psiquiátrica fizeram surgir diversas instituições, das quais os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) são a expressão mais fiel. Entretanto, pode-se inscrever o campo da saúde mental ao campo da saúde coletiva. Neste sentido, a saúde se coloca hoje como uma alternativa consolidada: postos de saúde, CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) etc. Tais trabalhos provocam uma “desespercialização” do psicólogo, o qual não pode mais ter um paradigma de atuação rígido pautado apenas no consultório, devendo trabalhar em equipe, de maneira multidisciplinar (e transdisciplinar, quando possível), realizando, inclusive, visitas domiciliares, intervenções fora da clínica. Deste modo, o trabalho da psicologia no campo da saúde impele o profissional de psicologia a se renovar e se capacitar.

5. O que é a psicologia da saúde? E qual sua importância na sociedade atual?

Psicologia da saúde é o nome dado ao campo de atuação do psicólogo naquilo que se refere à saúde coletiva. Em certa medida, toda psicologia é uma psicologia da saúde, uma vez que toda intervenção do psicólogo visa dar conta de um estado de doença. Todo psicólogo está, portanto, inevitavelmente em contato com a (psico)patologia, esteja ele em seu consultório ou fora dele. Num sentido técnico e profissional, psicologia da saúde é o nome dado ao ramo no qual o psicólogo está implicado na produção de diagnósticos, na identificação da etiologia do mal-estar, na manutenção de uma qualidade de vida. Isso pode acontecer, por exemplo, na atuação do psicólogo num hospital. Sua importância hoje é imensa. Num mundo onde os psicotrópicos dispensam o trabalho subjetivo do sujeito com seu próprio sofrimento (vide o fato de que o Rivotril foi o segundo remédio mais vendido no Brasil em 2008, ficando na frente de outros como Neosaldina, Tylenol e Hipoglós!), o resgate que o psicólogo pode fazer com relação ao enfrentamento do sujeito diante de seu próprio mal-estar e seu apoderamento de seu destino e de sua vida é uma tarefa indispensável atualmente. Sem um bom trabalho da psicologia da saúde, podemos assistir, nos próximos anos, a intervenções medicalizantes que não visem o bem-estar do sujeito, mas somente a supressão de seus sintomas.

6. Como é o trabalho psicológico com pacientes psicóticos?

Numa conceituação primária e básica, psicose é o nome dado a um estado mental onde inexiste um bom trabalho psíquico de diferenciação entre realidade externa e realidade interna, o que desemboca, nos casos mais graves, na existência de ilusões e delírios com relação ao mundo externo. Psicótico é aquele, logo, que confunde realidade e ficção, além de deixar com que seus desejos internos, projetados na realidade externa, passem-se de realidades incontestáveis. É assim, por exemplo, que um psicótico pode considerar estar sendo perseguido por forças conspiratórias ou que seu pai, na verdade, nunca desejou seu nascimento e procura durante toda a sua vida boicotá-lo porque ele é muito melhor que seu pai (o psicótico sente o peso dessas convicções como se fossem verdades incontestáveis, como se, de fato, seu pai ficasse planejando por horas como pode vir a dificultar a vida do filho). O trabalho com psicóticos é, assim, muito árduo, pois não se pode, tal qual se faz com os neuróticos (aqueles cujo conflito não é do eu com a realidade externa, mas sim do eu com a instância censora ou com os desejos reprimidos [conflitos do tipo: “amo meu marido mas tenho tesão pelo meu colega de trabalho: devo trair ou manter meu relacionamento? Ou será que devo trair e esconder? Ou será que devo manifestar abertamente minha vontade de traição? Ou será que meu marido me trai e por isso eu sinto o desejo de trai-lo?]). O psicoterapeuta se vê muitas vezes como alvo das projeções negativas do paciente, que projeta sobre o psicoterapeuta seus sentimentos negativos, suas ansiedades primitivas de perseguição e aniquilação. Levando em consideração que a psicose está em íntima relação com a esquizofrenia, etimologicamente “mente dividida” ou “em pedaços”, o trabalho do psicoterapeuta é muitas vezes recolher esse material despedaçado projetado pelo psicótico e devolvê-lo de maneira coerente e harmônica. O psicoterapeuta, muitas vezes, empresta seu aparelho psíquico para realizar o trabalho de ordenação da realidade para o paciente, o qual rejeita o real como uma ameaça iminente. Para finalizar, é preciso dizer que, ao contrário do que se pensou durante décadas, o psicótico é analisável, o que significa dizer que ele pode passar por um trabalho psicoterapêutico e conseguir avanços consideráveis em sua condição de sujeito. Trata-se, portanto, não de entender o psicótico como um “doidinho incapaz” mas como um sujeito que luta para se haver com seu próprio desejo. O que o psicótico faz, a maneira como ele atua seu sofrimento psíquico, é confiar que o terapeuta exerça funções que ele ejetou, isto é, de assimilar a realidade de uma maneira minimamente estável e harmônica. Autores que defendem esse ponto de vista são Alfred Bion e Jacques Lacan. São autores imprescindíveis para o trabalho com a psicose. Além deles, um livro introdutório é o “Esquizofrenia”, de Alexandra Sterian, da coleção “Clínica Psicanalítica”, editada pela Casa do Psicólogo.

7. Quais os assuntos principais da psicologia que um profissional de saúde deve conhecer?

Reforma Psiquiátrica (sobretudo as contribuições da Análise Institucional), drogadição (dependência tanto dos psicofármacos quanto das drogas ditas ilícitas), psicopatologia (principalmente as contribuições da psicodinâmica) e políticas de saúde (entendimento de onde surgiram e como se consolidaram os atuais modos de cuidado materializados em instituições como CAPS, CRAS, Postos de Saúde, dentre outros).

8. Como um psicologo,o que aconselharia para um profissional de saúde ter uma formação integral em um mundo de especializações e sub especializações?

Nós passamos o tempo inteiro de graudação, cinco anos, ouvindo de nossos professores que não damos conselhos e, depois de formados, as pessoas sempre nos pedem conselhos (risos). Em todo caso, acredito que recuperar com seriedade as áreas das “ciências humanas” é fundamental. Ou seja, ter uma formação que passe séria e atenciosamente pela filosofia, antropologia e sociologia me parece ser uma forma de escapar aos especialismos de hoje em dia. Esses saberes, tais quais a neurologia e fisiologia, tem muito a nos dizer porque guardam, bem mais do que estas duas citadas anteriormente, um teor crítico fundamental para uma prática ética do profissional em saúde. O profisisonal de saúde não é somente um técnico que aplica aquilo que aprendeu de forma mecânica, é um promotor de saúde, alguém que constrói subjetividades. Não é somente alguém que “melhora” ou “cura” um sujeito, mas alguém que mostra a um sujeito que está sofrendo novas formas de lidar consigo mesmo e com sua vida que podem fazer dele um sujeito com maiores capacidades de ação. Não é bem um conselho que dou, pois não aprendi a fazer isso. É apenas uma dica: levem mais a sério a filosofia, a antropologia e a sociologia. Elas tem muito, mas muito, a nos dizer.

Questões sobre a abordagem psicanalítica.

1. Quais os conceitos centrais da psicanálise?

Isso depende de qual escola dentro da psicanálise que estamos falando. Para os lacanianos (adeptos de Jacques Lacan), por exemplo, os conceitos centrais são os de desejo, gozo, objeto a, outro, linguagem etc.; para os kleinianos (adeptos de Melanie Klein), os conceitos centrais são os de posição – depressiva ou paranóide –, defesa e reparação, supereu sádico, ansiedade primitiva e fantasia etc.; para os ferenczianos (adeptos de Sándor Ferenczi) a questão da hospitalidade, empatia, trauma e constituição subjetiva etc., são centrais; para os adeptos de André Green, as questões de narcisismo de vida ou de morte, da mãe morta, da negatividade, da clínica do vazio, estes são os conceitos centrais. No entanto, em que pesem essas diferenças internas, ao menos no que se refere a esses autores (excetuando-se, portanto, a psicanálise dita do ego) a meu ver, o que unifica os autores que se defendem enquanto “psicanalistas” são a centralidade da pulsão e do inconsciente no conceito de sujeito.

2. Como é a compreensão de Freud do psiquismo?

É um consenso dentre os autores (como Jean Bergeret) dividir essa compreensão freudiana do psiquismo de três formas: uma dinâmica, uma tópica e uma economia. Freud entende, portanto, o psiquismo a partir de três registros: o da economia se refere às energias ligadas e desligadas, às maneiras de dar vazão à satisfação, aos princípios de prazer e de realidade; o da dinâmica se refere a como essas energias, ligadas ou não, são representadas, são codificadas, são canalizadas a partir da ação da censura, a dinâmica se refere, portanto, às relações de forças que existem entre a satisfação do desejo e seu adiamento devido a instâncias sociais [por exemplo, uma jovem mulher pode estar encantada por alguém que não é seu marido, embora haja uma demanda de satisfação pulsional intensa, dinamicamente pode encontrar outras formas de conter ou de dar vazão a esse desejo. Ainda que essa forma de dar vazão apareça de uma maneira que não tem nada a ver com o desejo em si, como no exemplo de uma paralisia de um membro (na histeria clássica) ou de uma dor no corpo ou de cabeça (conversão), trata-se de uma formação dinâmica. Ou seja, o sintoma é a expressão de um conflito dinâmico entre forças que querem a satisfação e outras forças que impõem uma espera. Essa negociação entre desejo e realidade não se dá em vão, existe um preço pago para isso, pode ser a culpa ou qualquer outro sintoma]. A tópica, por fim, refere-se às instâncias em jogo no psiquismo humano, tais quais o supereu (representante das normas sociais), o isso (reservatório de pulsões) e o eu (instância psíquica cuja função é manter o contato com a realidade e satisfazer as pulsões de uma maneira aceitável). A importância da tópica é para a caracterização da neurose, por exemplo, como conflito entre o superego e o ego diante do id. Ou seja, um conflito que se estabelece na censura com relação à satisfação do desejo (superego), na demanda por satisfação imediata do desejo (id) e na negociação possível sem um custo alto demais para a integridade psíquica (eu).

3. O que é a transferência?

Existem vários modelos para a transferência e seu manejo, tanto quanto sua função dentro da análise, varia nas escolas de psicanálise. Vamos pegar somente Freud para responder essas duas questões sobre transferência. No capítulo IV dos Esudos Sobre a Histeria, de 1893, um dos primeiros escritos de Freud, a transferência é vista como uma falsa ligação que se produz entre analista e analisando. Assim, certos desejos do paciente podem ser dirigidos ao analista como se este fosse o objeto desejado. Em 1905, durante o atendimento de uma paciente que ficou conhecida sob o título de o “caso Dora”, Freud consolida ainda mais a noção de transferência. Afirma que as transferências são reedições, reprodução das moções e fantasias que, durante o avanço da análise, despertam-se e tornam-se conscientes, mas com a característica de substituir uma pessoa anterior pela pessoa do psicoterapeuta. As transferências são, por assim dizer, toda uma série de experiências psíquicas prévias que são revividas, não como algo do passado, mas como um vínculo atual com o psicoterapeuta. Trata-se, então, de reimpressões e reedições de conteúdos. Apesar de ainda existirem outras roupagens para o conceito de transferência, o núcleo central dele é a idéia de que existe uma atuação da fantasia do paciente durante a análise. Em vez de ser um obstáculo ao tratamento, a transferência é sua própria condição de possibilidade.

4. O que é a contransferência?

Há, pelo menos, dois eventos históricos que devemos ter em mente se quisermos entender a preocupação freudiana com a contratransferência. O primeiro é o relacionamento problemático e genuinamente afetivo entre Joseph Breuer e Anna O., resultando praticamente num enamoramento enrustido e secreto; o segundo é o caso amoroso que se desenrolou entre Jung e uma paciente russa sua chamada Sabina Spielrein. Esses dois fatores, sobretudo este último, ocorrido entre 1904 e 1911, período no qual Jung e Freud trocaram várias cartas a esse respeito, são os panos de fundo da preocupação freudiana com a contratransferência. Afinal de contas, se a transferência é a condição de possibilidade da psicoterapia psicanalítica, o que fazer com o perigo sempre constante de não só o paciente, mas também o analista produzir uma “falsa ligação” entre ele e o paciente? Ou, o que é pior ainda, o que impede que ele use o paciente como suporte de suas próprias fantasias?

A contratransferência, em Freud, diz respeito diretamente ao manejo da transferência. Num texto publicado em 1915, “Observações sobre o amor transferencial”, onde, já em seu início, Freud adverte que o psicanalista deve estar atento contra a tendência da contratransferência que surge quando o paciente lhe transfere suas fantasias. Ou seja, supondo que um paciente se apaixone por seu analista, este não deve atribuir essa paixão à sua pessoa ou suas características, mas sim à transferência do paciente, somente. Contratransferir, neste sentido, é algo como produzir uma resposta que, em vez de problematizar a transferência, fortalece-a ainda mais. Enquanto que, para algumas pacientes neuróticas, por exemplo, apaixonar-se pelo analista é quase que um destino inelutável, para os analistas não se deixar apaixonar é uma regra geral para todo e qualquer paciente. A esta altura, não é a transferência que tem que ser controlada e estudada, mas a própria contratransferência, a qual se, por um lado, constitui-se como um material importantíssimo no progresso da análise, por outro lado, é um perigo constante de o analista se perder em suas próprias paixões e fantasias, prejudicando totalmente a análise.

5. Como se explica o sonho pela psicanálise?

Um filme recente de Christopher Nolan, estrelado por Leonardo DiCaprio, chamado “A Origem”, traz algumas discussões valiosas para a noção de sonho na psicanálise. Vale a pena assisti-lo sob a ótica freudiana. O sonho tem uma importância fundamental para a psicanálise, uma vez que se coloca como via de acesso ao inconsciente, como uma formação inconsciente. Em “A Interpretação dos Sonhos”, esse fenômeno vai dar espaço para o surgimento da primeira tópica freudiana (inconsciente/pré-consciente/consciente), vide o capítulo VII. É importante dizer que, para Freud, o importante não é o sonho em si (seu conteúdo latente), mas o seu relato (seu conteúdo manifesto). Assim, não há um sentido original no sonho, mas sempre uma interpretação que visa constituir sentido ao desejo que, por um trabalho específico do psiquismo, transformou-se em sonho. Nisso reside a maior tese freudiana sobre o sonho: “todo sonho é a realização de um desejo”. O que não significa dizer, de forma alguma, que quando uma mulher casada sonha traindo seu marido que ela quer de fato o fazer. Pode ser que sim, pode ser que não. O que realmente importa é o que é que a paciente faz com esse sonho: como ela o conta, de que forma ele a mobiliza pulsionalmente. Todo sonho é motivado por um desejo, entendido como uma força pulsional intensiva que dá consistência ao sonho.

6. Qual a importância da sexualidade para a psicanálise?

A sexualidade possui uma importância fundamental para a psicanálise. É nela que Freud encontra o alicerce fundamental para sua noção de sujeito como aquele que busca constantemente o prazer. A sexualidade atua, então, como uma espécie de prova empírica do sujeito pulsional freudiano. Porém, é preciso levar em consideração que a sexualidade, em Freud, tem uma outra conotação, bem diferente da usual,, e ele apenas se apóia na sexualidade como se entende no senso comum para tornar clara sua noção de sujeito desejante. A sexualidade, para a psicanálise, não é instintiva, não tem objeto definido, não é genital mas sim heterógena e cuja dinâmica é pulsional. Sendo o alvo da pulsão variável e sua meta sempre a satisfação, a sexualidade, para Freud, está fora do domínio da reprodução (uma vez que seu objetivo é a obtenção de prazer e não a reprodução da espécie) e dentro do terreno da busca pelo prazer. Freud, como muitos outros que o antecederam, buscou retirar o discurso normativo sobre a sexualidade em prol de um saber que viesse a restituir o lugar do sexual como uma ação propriamente humana de busca incessante pelo prazer. Daí decorre, por exemplo, a recusa pela discriminação dos homossexuais, para citar um exemplo polêmico dentro das instituições psicanalíticas, as quais até bem pouco tempo atrás não aceitavam que homossexuais fossem analistas (a esse respeito, é bom conferir o artigo de Elisabeth Roudinesco chamado “Psicanálise e homossexualidade”, em seu livro “Em defesa da psicanálise”, editado pela Jorge Zahar). Como se vê, a sexualidade, para a psicanálise, tem uma importância teórica e também política.

7. Como se explica o sintoma na psicanálise e qual a visão dessa abordagem de psicopatologia?

Uma modificação básica realizada por Freud com relação à psicopatologia vigente foi a de procurar fundar as neuroses não pela semiologia, isto é, por seus sinais e sintomas, mas sim pela etiologia metapsicológica, ou seja, pelo funcionamento psíquico, por sua psicogênese, por assim dizer. Desta forma, por exemplo, a neurose não se define pela paralisia dos membros, mas pela conversão, que é o mecanismo que a produz, a sua condição de possibilidade enquanto sintoma. Logo, o sintoma não é mais do que a manifestação de um conflito inconsciente. A atenção deve voltar-se, portanto, não tanto para a espetacularidade dos sintomas histéricos, sua descrição e categorização,, mas para o seu silencioso dispositivo psíquico, o pano de fundo que constitui o solo do qual emergem os sintomas. Trata-se, de fato, de um deslocamento fundante da psicanálise enquanto método de investigação do psiquismo humano.

8. Como trabalha um psicanalista?

As perguntas mais simples e objetivas são sempre as mais difíceis de se responder. Vou fazer um recorte arbitrário relacionado ao trabalho clínico do psicanalista. Portanto, vou tentar esboçar os contornos gerais de como trabalhar um psicanalista na clínica, ou seja, na psicoterapia de base psicanalítica. Começo dizendo como não se trabalha um psicanalista na clínica: um psicanalista nunca é um padre, ele nunca vai propor a um paciente uma série de rituais que servem como penitências diante de um ato reprovável (ainda que esses rituais sejam travestidos de ‘homeworks’ ou qualquer trabalho do paciente de auto-policiamento); um psicanalista nunca é um cartomante, de quem o paciente espera que se decifrem instantaneamente seus problemas e suas soluções, além de seu futuro promissor próximo que virá necessariamente a partir de certas regras de conduta estabelecidas dali para frente; um psicanalista nunca é um grande amigo, de quem o paciente espera o ombro para choros e lamentações que provocam conforto e alívio após um desabafo.

Embora seja verdade que um psicanalista não faz nada disso, não é tão verdade que a psicoterapia não possa dar ao sujeito uma certa esperança com relação ao futuro, que o sujeito possa, a partir de uma auto-observação, causar, em si mesmo, uma modificação significativa e global de sua personalidade, ou ainda que a psicoterapia não absorva certos desabafos, angústias e ansiedades. A grande diferença, apesar dessas convergências pontuais, é que o psicanalista faz tudo isso não diante de um modelo pedagógico que visa transformar o sujeito a partir de um referencial maior, mas a partir de uma experiência singular a cada sujeito. É assim que, por exemplo, um psicanalista jamais vai dar uma de defensor de um Bem maior incontestável. No caso da jovem que sente desejo em trair seu marido, não convém ao psicanalista nem incentivá-la à traição em nome de uma lealdade com o próprio desejo, tampouco reprimir a paciente em nome da instituição familiar e do casamento. O modo como um psicanalista trabalharia nessa situação peculiar era o de possibilitar uma experiência singular do próprio sujeito, possibilitando o sujeito a se haver com seu próprio desejo e lidar com ele de uma forma que não há garantias seguras nem definitivas. O que o psicanalista faz é permitir que o sujeito se inscreva em sua própria história como aquele que a constrói e se implica com ela, sendo capaz de modificá-la constantemente. A clínica psicanalítica possui, assim, uma dimensão inevitavelmente trágica. O que significa tornar sempre presente o fato de que o sujeito, tal qual Édipo, jamais poderá fugir de seu destino, assim como não poderá fugir do seu passado e tampouco de seu presente. Sua existência enquanto sujeito é, para sempre, uma constante presentificação de seus desejos, conflitos e frustrações. É por isso que, se não podemos dizer que todos os sujeitos são capazes de entrar em análise, podemos dizer que, uma vez que o sujeito entra no trabalho de análise, jamais sai dele.

9. O que é importante para uma pessoa se tornar um psicanalista?

Acredito que três coisas são essenciais para alguém se tornar um psicanalista. A primeira é que o psicanalista tenha uma grande quota de energia livre para usar em sua atividade clínica, o que pressupõe uma espécie de “saúde mental do analista”. É imprescindível essa saúde para que o psicanalista consiga suportar (tanto no sentido de suportar o sofrimento do outro como de servir de suporte para o sofrimento do outro) a experiência que se dá na clínica. A segunda é que ele seja um filósofo no sentido grego do termo, ou seja, como um “amigo da sabedoria”. É imprescindível que um psicanalista seja alguém ávido por conhecimento, que seja capaz de compreender as outras abordagens (sem jamais recorrer a jargões e desqualificações), que seja capaz de transitar pelas ciências humanas (como antropologia e sociologia), que seja alguém com energia suficiente para ler Freud, Lacan, Klein, Dolto, Winnicot, Green, sem fazer do conhecimento uma arma de superioridade mas sim uma caixa de ferramentas para tecer uma clínica cada vez mais produtiva, inventiva. Portanto, que tenha uma mente saudável, com bastante energia livre para utilizar na clínica, e que seja alguém com sede de conhecimento, pois quanto mais conhecimento maior será o arsenal teórico, técnico e psicoterápico que se terá em mãos. A última importância, mas não menor do que as demais, talvez até a maior de todas, é que o psicanalista seja um sujeito ético. Em três dimensões específicas: a política-social, ou seja, o psicanalista jamais deve deixar de lado o fato de que a textura do sofrimento psíquico é uma determinada cultura que se organiza a partir de uma certa forma econômica e política; a teórica-epistemológica, que significa uma conduta sempre aberta e antidogmática como característica central para o avanço da psicanálise; e a filosófica-crítica, que impõe ao psicanalista sempre a problematização da moral (dos valores, das regras, dos interditos). Um psicanalista é sempre um sujeito ético porque é sempre um crítico. Ele nunca é um defensor acrítico do que existe, tampouco um representante das ordens sociais. Um psicanalista é um sujeito ético na medida em que está sempre ali onde as coisas estão aparentemente estáveis para dizer que essa estabilidade é ilusória e que tudo é mutável. E que, na verdade, não é a mudança, mas a permanência estável que produz mais estragos para o sujeito.

5 comentários:

  1. ok. bom texto. bastante informativo. mas voc~e poderia falar mais a respeito do aspecto trágico (interrogação) Uma das coisas que mais me impressionaram ao observar uma pesquisa de análise de casos foi que a penosidade da vida dos pacientes persistiu. no meio do caminho, obtiveram alguns progressos, mas não conseguiram se livrar dos seus tormentos e agir de forma inteiramente nova. Isso ocorre na maior parte dos casos ou a tragédia é inevitável(interrogação)

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  2. a palavra destino, por ora, me parece horrenda.

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  3. TEMPO.

    ...

    e eis a

    ...

    CONCLUSÃO ORIGINALÍSSIMA: a vida, tudo isso não passa de uma bela história. cada um que escreva a sua.

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