Sobre o objetivo deste blog.

Os textos a serem postados aqui neste blog se referirão sobremodo ao campo da clínica (da psicoterapia e da técnica) e suas interfaces, tais quais, a arte (literatura e cinema) e o social (política e subjetividade). O objetivo deste blog é servir como um meio de informação acerca da relevância e viabilidade do processo psicoterápico, bem como levar à reflexão acerca da contemporaneidade através do arcabouço teórico psicanalítico.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Mito e racionalidade: a crítica do iluminismo na Dialética do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer.

Prólogo

O trabalho que segue abaixo foi apresentado e publicado no Caderno de Resumos da III Semana de Estudos Clássicos da UFS, cujo tema era “Mito entre culturas”. Embora, numa primeira vista, o texto não tenha ligação com a psicanálise, assevero, desde já, que a chamada Escola de Frankfurt, da qual Adorno e Horkheimer, autores centrais do texto, fazem parte, realizaram, talvez, a crítica mais vigorosa e revitalizadora da psicanálise no século XX, da qual até mesmo Lacan é devedor.

Portanto, seguindo as indicações do objetivo deste blog, onde uma das veredas indicadas é a realização de uma crítica social, posto aqui o texto na íntegra. Boa leitura a todos!

Mito e racionalidade: a crítica do iluminismo na Dialética do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer.

Leomir Cardoso Hilário

E-mail: leomirhilario@yahoo.com.br

Resumo: Nascido de uma inquietação provocada pelo fato de que, num de seus trabalhos, Jean-Pierre Vernant não insere o estudo sobre o mito realizado pela Escola de Frankfurt dentre as correntes que pensaram este fenômeno durante os séculos XIX e XX, este texto procura defender que a teoria crítica pode e deve estar presente como uma tentativa de se estudar a relação entre mito e racionalidade, como também figurar dentre as possibilidades de análise para os estudos contemporâneos. Para cumprir essa tarefa, busca-se expor alguns dos conceitos elaborados por Horkheimer e Adorno em seu livro, A dialética do esclarecimento, bem como, na conclusão, esboçar algumas concordâncias entre o pensamento de Vernant e de Adorno e Horkheimer.

Palavras-chave: Mito, racionalidade, teoria crítica, Vernant, Adorno e Horkheimer.

No pensamento contemporâneo, alguns conceitos estão de tal modo conectados a seus autores que se tornaram sinônimos. Por exemplo, falar em genealogia no âmbito das ciências humanas remete ao pensamento de Foucault (2008); citar o termo diferença remete a Derrida; ao realizar uma crítica à lógica da identidade presente na racionalidade moderna se é direcionado ao conceito de lógica conjutista-identitária de Castoriadis (1995). Um dos pontos positivos dessa adesão entre obra e conceito é que ela sinaliza uma relativa inserção desses autores na universidade atual, e assim na reflexão contemporânea. Se não é um pensamento ainda hegemônico, é uma forma de problematizar as questões que está atualmente em ascensão. Portanto, significa um ganho sem igual diante dos antigos sistemas de pensamento que já não davam mais conta de pensar criticamente a contemporaneidade, dentre eles o positivismo e o estruturalismo. No entanto, pode-se correr o risco de inibir outras formas para se pensar os conceitos de genealogia, diferença e crítica à razão identitária, dentre outros.

Questionar sobre se haveria outras formas para se pensar um conceito como genealogia, por exemplo, remete-nos a um grupo específico de autores que não figuraram com predominância intelectual no século XX. Embora grandes nomes, como Foucault, tenham tecido fortes elogios[1] direcionados a eles, os pensadores que ficaram conhecidos sob o título de Escola de Frankfurt parecem constituir uma corrente minoritária no pensamento contemporâneo. De modo irônico, contudo, nomes como Adorno, Horkheimer e Marcuse, realizaram, cada um a seu modo e respectivamente, uma crítica à dialética hegeliana que busca afirmar a diferença, um estudo sobre as condições de possibilidade para a emergência da racionalidade e uma reflexão sobre as novas formas de controle que agem não só sobre o corpo e o prazer, mas também sobre a subjetividade, limitando as significações disponíveis. Ou seja, a Escola de Frankfurt elaborou novos conceitos e construíram problematizações acerca da contemporaneidade.

Em certa medida e mutatis mutandis, aquilo que Stein (1988) falou sobre Heidegger também vale para toda a Escola de Franfkurt, isto é, parafraseando Stein, esses pensadores são marxistas com e contra o Marx, filósofos contra a filosofia (nietzschianos com e contra Nietzsche), sociólogos contra a sociologia (weberianos com e contra Weber), psicanalistas contra a psicanálise (freudianos com e contra Freud) etc[2]. Ou seja, compõem uma obra singular diante de toda discussão que efervesce no século XX, sobretudo na segunda metade, entre existencialismo e marxismo, estruturalismo e pós-estruturalismo, dentre outras. Por isso mesmo resguardam até hoje outros sentidos possíveis aos diversos conceitos que balizam os debates contemporâneos.

Os motivos que levaram esses autores a não participarem mais ativamente da filosofia francesa contemporânea, apesar de ser um tema bastante frutífero, não só pela incidência dessa matriz de pensamento em nosso país como também pela singularidade dos autores da Escola, escapa em muito o objetivo dessa escrita, não obstante seja esse o solo em que ela emerge. O pontapé inicial, que motivou essa escrita, foi a leitura de um texto de Vernant (2006, p. 191-221) em que o autor não cita a Escola de Frankfurt, embora tenha se proposto a escrever uma parte dessa obra dedicada aos esboços de uma ciência dos mitos. Através da inquietação provocada por essa ausência de referência aos frankfurtianos[3], propõe-se que este artigo defenda a hipótese de que no pensamento frankfurtiano há uma proposta para se pensar a relação entre mito e racionalidade, a qual pode figurar entre as demais contribuições e correntes que estudam o fenômeno mitológico.

Essa afirmativa de que a análise mitológica levada a cabo pelos frankfurtianos pode e deve figurar dentre as possibilidades de investigação e de análise se deve não apenas a uma tentativa de resgatar o marxismo no campo das ciências humanas como uma reflexão possível e viável, mas também pela constatação de que se trata de uma análise que busca fazer com que várias dimensões de estudo apareçam numa análise e se constitui assim como uma alternativa epistemológica e metodológica. Ou seja, ocorre que, na Escola de Frankfurt, há uma proposta de uma múltipla perspectiva do objeto analisado. No exemplo particular dessa escrita, ver-se-á como, ao tratar do mito, várias dimensões de análise se encontrarão, tais quais a economia, a política, o poder, a antropologia, a literatura, a arte, a psicanálise etc.

Num primeiro passo, procura-se caracterizar a Escola de Franfkurt através das obras de Assoun (1991), Bronner (1997), Jay (2008), Merleau-Ponty (2006) e Anderson (1989). O objetivo desse ponto é esclarecer a singularidade do pensamento desenvolvido pela Escola e suas diferenças com relação ao marxismo oficialmente vigente à época. Os três primeiros estudos dizem respeito à história específica da Escola de Frankfurt. Com eles, procura-se também introduzir alguns conceitos e perspectivas dos autores para facilitar a discussão porvir. Enquanto os outros dois versam acerca de uma tradição de pensamento marxista na qual a Escola veio a se inscrever.

No segundo passo, entra-se propriamente na análise do mito como crítica do iluminismo proposta por Adorno e Horkheimer, logo depois se inicia uma exposição resumida da Odisséia, principalmente dois episódios que são analisados por Adorno e Horkheimer, a saber, a luta entre Odisseu e o Ciclope e também a artimanha encontrada para passar incólume pelos cantos das sereias. No terceiro e último passo, busca-se concluir a escrita propondo algumas convergências entre os posicionamentos diante do mito de Vernant, Adorno e Horkheimer.

A relevância de se refletir acerca da Dialética do Esclarecimento (doravante citada como DE) é a possibilidade não só de estimular uma outra visão para análise do mito como também, de acordo com Rabaça (2005), ter conhecimento de uma crítica radical da modernidade. Jay (2008, p. 320) considera que o extremo radicalismo dessa obra, a DE, pode levar à conclusão de que qualquer coisa que viesse depois só poderia ser uma espécie de aclaração adicional. Uma obra de tão grande porte merece uma maior visibilidade e essa escrita procura oportunizar, através da eleição da problemática do mito em primeiro plano, o conhecimento, ainda que demasiado resumido, de algumas das teses de Adorno e Horkheimer e sua importância para os estudos contemporâneos sobre racionalidade, subjetividade, modos de controle, possibilidades de transformação etc.

O marxismo ocidental: situação da Escola de Frankfurt frente às correntes hegemônicas do marxismo.

Um dos maiores pontos de radicalidade do pensamento presente na DE é a crítica virulenta ao próprio Marx. Entendendo a manipulação instrumental da natureza como produtora do mesmo tipo de relação entre os homens, depreende-se da leitura que nem o próprio Marx escapa ao esquema do eslarecimento, uma vez que ocorre, no seu pensamento, em certos momentos, uma ênfase e mesmo uma aposta no avanço das forças produtivas como índice de liberdade das relações sociais[4]. A DE se inicia efetivamente com esse questionamento, ou seja, se os avanços das forças produtivas não significariam bem o contrário, isto é, uma maior incidência de controle na vida dos homens. Diz o prefácio da DE:

“O que nos propuséramos era, de fato, nada menos do que descobrir por que a humanidade, em vez de entrar num estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie” (HORKHEIMER, 1985, p. 11).

Antes de adentrar no modo como a DE constrói essa crítica, convém estabelecer um conceito mínimo do que significa “Escola de Frankfurt” e também quais elementos tornaram possíveis esse sistema de pensamento, isto é, o que está em jogo para esses autores e o que constitui a singularidade de seu pensamento.

Para Assoun (1991, p. 19), a Escola de Frankfurt é uma etiqueta que marca um acontecimento (a criação do Instituto de Pesquisas Sociais, em 1923, em Frankfurt), um projeto científico (intitulado de “filosofia social”), uma atitude (denominada “Teoria Crítica”) e uma corrente ou movimentação teórica concomitantemente contínua e diversa (constituída por individualidades pensantes). Para Jay (2008), o que une a diversidade dos autores que compõem a chamada Escola de Franfkurt é a concordância com relação a uma crítica do iluminismo e da racionalidade ocidental, a recuperação da crítica e da negatividade da teoria social e o diálogo constante com a obra freudiana. É esse primeiro ponto que Jay aponta, a crítica do iluminismo e da racionalidade ocidental, que constitui a linha para a reflexão dessa escrita sobre mito e razão através das reflexões da Escola de Franfkurt, envolvendo, logo, a chamada “primeira geração”[5], de Adorno e Horkheimer (mas também de Benjamin e Marcuse, dentre outros).

O trabalho de Anderson (1989) é uma crítica, muitas vezes negativa, a uma tradição intelectual comum a que ele denomina de “marxismo ocidental”. O autor engloba sob esse título uma miríade de autores, tais quais Lukács, Korsch, Gramsci, Benjamin, Horkheimer, Marcuse, Adorno, Sartre, Althusser, dentre outros, que estariam agrupados sobretudo por participarem cronologicamente de uma segunda geração de marxistas (todos nascidos entre 1885 e meados de 1920) e também por estarem geograficamente não no leste mas no centro da Europa. A Escola de Franfkurt, então, aparece como pertencente ao marxismo ocidental.

Dentre as características que vão definir essa tradição, Anderson (1989) salienta o divórcio estrutural entre marxismo e prática política, o que resultou numa falta de um intercâmbio ou conflito teórico de alcance internacional e as mudanças formais, ou seja, o abandono progressivo de estruturas econômicas como objetos centrais da teoria, provocando um deslocamento básico de todo eixo gravitacional do marxismo para a filosofia. Anderson (1989, p. 80) critica a transformação do marxismo em uma “disciplina esotérica cuja linguagem altamente técnica era a medida de sua distância da política”.

No pósfácio ao livro, Anderson (1989, p. 155) reconhece que não submeteu o marxismo clássico (de Marx, Engels, Lênin, Rosa Luxemburgo, Trotsky, Bukharin, Plekhanov etc.) ao mesmo rigor crítico que balizou sua análise do marxismo ocidental. Apesar dessa confissão e tentativa de correção, há uma característica dessa tradição, apontada pelo autor, que é por demais ilustrativa para introduzir algumas das reflexões da Escola de Frankfurt que aparecem nessa escrita como importantes. Qual seja, o afastamento do marxismo ocidental da análise teórica das questões econômicas ou políticas mais importantes resultou em utilizar o marxismo como um método para análise da cultura, sendo esta o alvo central de atenção dessa tradição ocidental do marxismo.

Merleau-Ponty (2006), num capítulo específico sobre o marxismo ocidental, põe a obra de Lukács (2003) como um ponto de viragem do marxismo, que passou a ser concebido mais como filosofia heterodoxa e não uma filosofia dogmática da história. Ao decorrer de todo o capítulo, Merleau-Ponty (2006, p. 35) procura desvencilhar a idéia de um marxismo mecanicista ou economicista. Afirma, por exemplo, que o materialismo histórico não é a redução da história a um de seus setores, seja ele a economia ou qualquer outro. Retomando uma frase de Marx, de que o capital não é uma coisa mas uma relação entre pessoas mediadas por coisas, Merleau-Ponty localiza nessa relação entre sujeito e o objeto, o processo de alienação/reificação, como momento prevalecente no marxismo ocidental. Livre do dogmatismo, do economicismo e do mecanicismo, o marxismo ocidental, forjado pela obra de Lukács, abre espaço para uma reflexão crítica acerca da sociedade capitalista que foi o projeto mais geral da Escola de Frankfurt.

Assoun (1991, p. 56) afirma que o marxismo, para a Escola de Frankfurt, é como uma “ferramenta-piloto” da crítica, não se inscrevendo no projeto proposto como uma doutrina exterior, mas sim a principal referência teórica. Da mesma forma que Anderson e Merleau-Ponty, entende que pensadores do chamado marxismo ocidental, como Lukács e Korsch, influenciaram o processo de renovação do próprio “materialismo dialético”. Assim, a Escola de Frankfurt escolhe o marxismo como operador da crítica cujo alvo é ele próprio inserido num conjunto de fenômenos analisados. O que significa dizer que no projeto de crítica da dominação o marxismo aparece tanto como um método que possibilita o questionamento radical da dominação e também como um produto mesmo do processo de subjugação do homem. Do mesmo modo como a Razão, ele é promessa de liberdade e materialidade totalitária, ou seja, é um método de investigação cujos conceitos se apresentam eles próprios não só como investigativos mas sobretudo como críticos (afinal de contas, conceitos como os de mais-valia e fetichismo da mercadoria surgem não só para explicar fenômenos da realidade social como também para a proposição subjacente de que eles podem e devem desaparecer do horizonte histórico), e também é uma ideologia legitimadora de um Estado totalitário, como era o caso do stalinismo na União Soviética no século XX.

Bronner (1997), assim como Assoun, Anderson e Merleau-Ponty, considera as obras de Lukács e Korsch, expoentes do chamado marxismo ocidental, como origens da teoria crítica. Dessas obras, obtiveram como legado a preponderância de uma crítica da cultura em detrimento de uma crítica economicista. Bronner (1997, p. 61) entende que a obra desses ambos autores colocaram as condições para se conceber o marxismo mais como uma teoria crítica da sociedade fundamentada em uma filosofia do que uma ciência baseada em afirmações fixas. Em certa medida, as categorias econômicas como a “mais-valia” e as “classes sociais” cedem espaço para os conceitos de “fetichismo da mercadoria” e “reificação”, que aludem a um processo de relação social que assume para os sujeitos a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas, coisificando-se (LUKÁCS, 2003, p. 199). Tal proximidade leva Bronner (1997, p. 97) a afirmar que a teoria crítica foi um subproduto das inovações teóricas introduzidas pelo marxismo ocidental, uma vez que ele já havia argumentado que o marxismo não seria uma forma dogmática de reducionismo econômico com um catecismo de teses e previsões. Ao contrário, seria considerado um método inerentemente crítico, dedicado ao exame das relações sociais.

Jay (2008, p. 39) também encontra na gênese da Escola de Frankfurt o deslocamento do centro de gravidade socialista para o Leste europeu. Também encontra nessa gênese a proximidade com os pensamentos de Nietzcshe, Dilthey, Bergson, Kierkegaard e Husserl. Esses filósofos dão a Horkheimer e Adorno a possibilidade de encontrar um pensamento que privilegia a vida como protesto contra a racionalização e padronização do mundo administrado. E, sobretudo a partir de Nietzsche, fazem nascer uma potência crítica radical. Assim como Bronner, Assoun e Merleau-Ponty, Jay (2008, p. 363) confirma que, para a Escola de Frankfurt, o marxismo é uma crítica aberta e não um corpo de verdades aceitas.

O que todos esses estudos sobre a Escola de Frankfurt apontam é que ela se inscreveu na tradição marxista de modo a produzir uma teoria crítica da sociedade. Ao tensionar com o marxismo oficial vigente à época, resgataram a crítica não através da economia, mas da filosofia. Assim, os conceitos econômicos como os de classe social e mais-valia deram espaço para os conceitos filosóficos de alienação/reificação. De forma que a urgente transformação radical da sociedade – afinal de contas, o Instituto foi criado na esperança de ser entregue um dia ao Estado soviético alemão (WIGGERSHAUS, 2006) – transmutou-se em uma crítica teórica igualmente radical.

A análise mitológica e a crítica do iluminismo na DE

Conforme já foi apontado, um dos grandes objetivos da DE é realizar uma crítica radical à racionalidade moderna como maneira de se entender as condições de possibilidade de emergência do totalitarismo, sobretudo fascista. Em outras palavras, constitui-se aquilo que a DE coloca como “primeiro objeto”, a saber, a autodestruição do esclarecimento.

O iluminismo se configura, de acordo com Reale e Antiseri (1990), não tanto como um compacto sistema de doutrinas, mas muito mais como um movimento cuja base está a confiança na razão humana, cujo desenvolvimento é a condição de progresso para a humanidade e de libertação dos vínculos cegos e absurdos da tradição, das raízes da ignorância, da superstição, do mito e da opressão. Se o iluminismo surge, portanto, como uma rejeição dos sistemas dogmáticos metafísicos factualmente incontroláveis, como confiança no conhecimento científico e da técnica como instrumentos de transformação do mundo e de melhoria progressiva das condições materiais e espirituais da humanidade, como foi possível surgir um fenômeno radicalmente regressivo como o fascismo?

A DE se inscreve nessa problemática, da qual visa dar conta. Assim, a proposta é entender que entre mito e eslarecimento, razão e totalitarismo, não existe antagonismo inconciliável, mas um entrelaçamento constante. Quer dizer, não é que razão e totalitarismo sejam termos e fenômenos excludentes, mas versos e reversos um do outro, na medida em que ambos se implicam mutuamente. Os autores apresentam assim a tese que envolve o estudo sobre o mito e sua relação com a racionalidade:

“Em linhas gerais, o primeiro estudo pode ser reduzido em sua parte crítica a duas teses: o mito já é esclarecimento e o esclarecimento acaba por reverter à mitologia. Nos dois excursos, essas teses são desenvolvidas a propósito de objetos específicos. O primeiro acompanha a dialética do mito e do esclarecimento na Odisséia como um dos mais precoces e representativos testemunhos da civilização burguesa ocidental. No centro estão os conceitos de sacrifício e renúncia, nos quais se revelam tanto a diferença quanto a unidade da natureza mítica e do domínio esclarecido da natureza.” (HORKHEIMER, 1985, p. 15).

Antes de adentrarem nas teses propriamente dias, Adorno e Horkheimer constróem um conceito próprio de esclarecimento. Num sentido amplo, afirmam que se trata de um processo que tem por objetivo livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Poucas linhas depois, dizem uma das frases mais marcantes do livro: “o esclarecimento é totalitário” (HORKHEIMER, 1985, p. 22). Isso porque nessa dinâmica de transformar o homem em senhor, há um controle da natureza que desemboca num controle dos homens. Se o mito relata, denomina, diz a origem, expõe, fixa, explica etc., o esclarecimento reforça essa tendência. O positivismo, por exemplo, através de métodos como da experimentação, verificação, calculabilidade e utilidade agudiza a tendência já posta no raciocínio mítico.

“O mito converte-se em esclarecimento, e a natureza em mera objetividade. O preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é a alienação daquilo sobre o que exercem o poder. O esclarecimento comporta-se com as coisas como o ditador se comporta com os homens. Este conhece-os na medida em que pode manipulá-los.” (HORKHEIMER, 1985, p. 24).

Em outro momento, o conceito de esclarecimento é ainda mais explicitado em sua relação com uma ordem totalitária:

“A essência do esclarecimento é a alternativa que torna inevitável a dominação. Os homens sempre tiveram de escolher entre submeter-se à natureza ou submeter a natureza ao eu. Com a difusão da economia mercantil burguesa, o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol da razão calculadora, sob cujos raios gelados amadurece a sementeira da nova barbárie.” (HORKHEIMER, 1985, p. 43).

Numa reflexão marcadamente genealógica, a DE encontra no mito a condição de possibilidade do surgimento da racionalidade moderna. E na origem do mito encontram o anseio do homem em controlar, quantificar, matematizar, calcular e dominar a natureza como forma de se livrar do medo e da insegurança. Há um tipo de “angústia mítica” que se encontra radicalizada no esclarecimento, onde o objetivo é que se está realmente livre quando já não há mais nada de desconhecido no mundo, quando se decifram todas as leis de funcionamento, as lógicas que compõem o mundo, quando se pode predizer os acontecimentos a partir de um aparato racional positivo.

O excurso I da DE (Ulisses ou Mito e Esclarecimento) visa analisar alguns episódios da Odisséia como testemunho do entrelaçamento entre mito e racionalidade, ou seja, da dialética do esclarecimento. Ao refletir sobre as aventuras de Ulisses, a DE procurou encontrar um protótipo da subjetividade burguesa e a protohistória de sua constituição, ou seja, a DE buscou reconstruir o germe relacional que une razão e barbárie. Numa bela imagem, Assoun (1991, p. 85) diz que uma das teses da filosofia da história construída na DE é a de que a repressão está na Razão assim como o verme está no fruto.

Para Adorno e Horkheimer (1985, p. 56, 57, 61), a oposição do ego sobrevivente às múltiplas peripécias do destino exprime a oposição do esclarecimento ao mito. Para que o herói Ulisses, fisicamente muito fraco em face das forças monstruosas e incontroláveis da natureza, possa lograr é preciso que seu mecanismo sempre gire em torno de perder-se a si próprio a fim de se ganhar. Esse movimento que Ulisses utiliza para sair vencedor das aventuras é intitulado por “astúcia”. A conclusão dessa análise mitológica da figura heróica conclui que esse domínio do homem sobre si mesmo como forma de vencer as forças naturais constitui a proto-história da subjetividade. Diz a DE:

“A anti-razão do capitalismo totalitário, cuja técnica de satisfazer necessidades, em sua forma objetualizada, determinada pela dominação, torna impossível a satisfação das necessidades e impele ao extermínio dos homens – essa anti-razão está desenvolvida de maneira prototípica no herói que se furta ao sacrifício sacrificando-se. A história da civilização é a história da introversão do sacrifício. Ou por outra, a história da renúncia”. (HORKHEIMER, 1985, p. 61).

Compreende-se que a DE aponta para lá de uma noção, da qual Arendt em certo momento aderiu[6], de que a ascensão do totalitarismo no século XX foi uma espécie de acidente de percurso, um evento sem quaisquer conexões com os modos de pensamento até então existentes no Ocidente. Com esse entrelaçamento entre racional e irracional, o nazismo emerge como a agudização de um processo já pressuposto na constituição mesma da sociedade ocidental. Na análise do mito da Odisséia, há dois episódios bastante claros acerca disso: o enfrentamento de Ulisses (ou Odisseu) à fúria de ciclope e ao canto das sereias.

Antes de narrar dois dos eventos que são objeto de análise, urge compreender em linhas gerais do que se trata a Odisséia. Para Reale e Antiseri (1990, p. 15), a Ilíada e a Odisséia exerceram sobre os gregos uma influência análoga à que a Bíblia exerceu entre os hebreus. Junto com a Teogonia, de Hesíodo, analisada por Vernant (1999, p. 154-170), os poemas homéricos servem de base para o nascimento da filosofia. Enquanto a Ilíada narra, em boa parte, a guerra de Tróia, a Odisséia conta a história do retorno do rei de Ítaca, Odisseu, a sua terra, após a batalha em Tróia. Embora haja uma discussão entre aqueles que defendem uma autoria múltipla, chamados de analíticos, e entre aqueles que defendem que o autor é apenas um, pode-se dividir a Odisséia em três seções: Telemaquia (cantos de 1 a 3), Regresso (cantos de 4 a 12) e Ítaca (cantos de 13 a 24). Seguindo essa divisão, proposta por Schüler (HOMERO, 2008, p. 10), pode-se afirmar que ambos os episódios que serão esmiuçados doravante estão situados no Regresso.

Esta sessão especificamente trata das aventuras de Odisseu para retornar a Ítaca. Sabe-se, a partir daquilo que abre a narrativa, que Odisseu encontra-se perdido em sua viagem de volta a Ítaca. É Posidon, a pedido do ciclope de olho vazado, cujo motivo se conhece posteriormente, mantém Odisseu errante, longe de sua pátria. Este episódio que envolve o ciclope é um dos que são analisados por Adorno e Horkheimer.

Em uma de suas errâncias marítimas, as tempestades danificam o barco de Odisseu e seus comandados. São conduzidos pelos ventos às proximidades da terra dos ciclopes:

“povo rude, sem lei, foi nosso porto imediato. Por depositarem a sorte em mãos celestes, não mexem um só dedo para plantar ou lavrar. O solo produz sem cultivo nem semente trigo, cevada, videiras. Cachos carnudos vertem vinho. Zeus avança cheio de chuva. Eles não sabem de assembléias deliberativas nem leis. No cimo das altas montanhas, vivem em grandes grutas. Cada qual legisla sobre mulheres e filhos. Solidariedade de uns com os outros não há.” (HOMERO, 2008, p. 121).

Encontram comida farta e descansam. Quando a Aurora os desperta, Odisseu convoca o conselho para deliberar como fará para conhecer melhor esse povo. Pergunta-se se são violentos, selvagens, sem lei ou será que acolhem os hóspedes com a mente voltada aos deuses? Odisseu percebe que está longe da sociabilidade grega, da vida em cidades. Sem ser conduzido por nenhuma necessidade, age como um investigador: quer saber se os habitantes são arrogantes, justos, hospitaleiros, se temem os deuses.

O narrador descreve o ciclope como um sujeito gigantesco que vive isolado, cuida de seus rebanhos, sozinho e afastado de todos, que não respeita a lei e espalha o medo. Odisseu adentra, com seus comandados, à caverna do ciclope. Lá encontram ovelhas e cabras. Os comandados aconselham Odisseu a dar o fora sem perda de tempo, levando o que quisessem. Sem levar em consideração tais conselhos, Odisseu decide ficar para esperar a volta do dono da caverna.

Quando o ciclope retorna, percebendo a presença dos humanos, questiona quem são eles e o que estão fazendo ali. Odisseu conta sua origem e implora que respeite os deuses, esperando que os estrangeiros sejam respeitados. O ciclope, no entanto, dá de ombros a essas palavras, desconsidera totalmente Zeus. Afirma que pode fazer o que der na telha com Odisseu e seus companheiros. Assim, mata rapidamente dois deles e fecha a caverna com uma rocha que de tão gigante e pesada tornava impossível que uma ação apenas humana pudesse movê-la.

Após matar mais dois, o ciclope sai da caverna e tapa novamente com a gigante rocha como se fosse uma tampa de panela. Odisseu reúne seus companheiros para uma assembléia deliberativa, pois teve uma idéia de como escapar mas precisava de uma ajuda corajosa. Tal idéia consistia em enfiar um cajado no olho do ciclope. No retorno do gigante, Odisseu oferece vinho para ele e diz que o faz na esperança de que ele fosse poupado da morte e pudesse retornar a Ítaca. Aparentemente sem dar atenção às palavras de Odisseu, o ciclope bebeu voluptuosamente o vinho e gostou bastante.

“Pouco lhe interessaram minhas palavras. Agarrou e bebeu. Botou de um trago a preciosidade goela abaixo e pediu mais: ‘Vem com essa delícia! Por favor! Teu nome! Como te chamas? Não ficarás sem recompensa. Sairás pulando de alegria. Te dou minha palavra’. (...) O gigante ululava. Agi. O brilho do vinho entrou-lhe o rubro pelo olho. Três vezes servi. Molhou a goela três vezes. A bebida afroxou-lhe o parafuso. Quando a bebida lhe tinha subido à telha, abordei-o com palavras de seda: ‘Caro Ciclope. Queres saber meu nome? Será um prazer receber a recompensa prometida. Nulisseu ou Ninguém é meu nome. Nulisseu me chamaram minha mãe e meu pai. Por Nulisseu me conhecem todos os meus amigos.’. A resposta abriu os bofes do monstro. Foi cruel: ‘Nulisseu, meu caro Ninguém, serás comido por último. Os outros descerão à minha pança primeiro. Este é o prêmio que te ofereço’ Rugiu e caiu de costas”. (HOMERO, 2008, pp. 134 e 135).

Nesse momento, Odisseu e seus comandados executam o plano: enfiam o cajado profundamente no olho do ciclope. Com extrema dor, o ciclope grita, arranca fora a rocha que impede a saída e entrada da caverna. Outros ciclopes se reúnem e perguntam-lhe o que acontece. Ao que o ciclope atingido apenas consegue responder: “Camaradas, é Nulisseu! Ninguém me agride. Ninguém me mata!”.

Na fuga, Odisseu canta vitória e revela o segredo já embarcado e remando para longe da terra dos ciclopes. Diz ao ciclope como o enganou. Também fala que se algum dia alguém o perguntar a causa do olho vazado do ciclope era para ele dizer que foi Odisseu, filho de Laertes, morador de Ítaca. Com essas informações, o ciclope dirige uma prece a seu protetor, que faz com que Odisseu caia na errância permanente em seu regresso.

As escalas seguintes de Ulisses foram a Ilha de Éolo (canto 10) e a tribo dos Lestrigonianos (canto 11). Nesta, devido à aparência de segurança, todos os navios, exceto o de Ulisses, ancoraram no porto. Ao percebê-los, os lestrigonianos, uma bárbara tribo, atiraram enormes pedras e fez todos os barcos naufragarem. Exceto o que jazia Ulisses, o qual, remando vigorosamente junto com os tripulantes de seu navio, conseguiram se safar. Com muito pesar devido a morte dos companheiros e concomitantemente alegres por terem escapado, prosseguiram viagem e chegaram à Ilha Eana, onde vivia Circe, a filha do Sol. Depois de alguns acontecimentos, Circe os ajudou nos preparativos para a partida e ensinou aos marinheiros o que deveriam fazer para passar são e salvos pela costa da Ilha das Sereias, próximo caminho a ser enfrentado por Ulisses.

“Ouvi, então, as palavras senhoriais da deusa: ‘Tudo isso chegou a um término feliz. Agora escuta. Uma outra voz divina te gravará na mente o que vais ouvir. Sereias serão tua primeira prova. Elas encantam todos os que porventura passam por elas. Quem inadvertidamente se entregar ao canto delas nunca mais retornará ao lar, nunca mais cairá nos braços da mulher, não verá os pequerruchos nunca mais. Elas enfeitiçam os que passam, acomodadas num prado. Em torno, montes de cadáveres em decomposição, peles presas a ossos. Evita as rochas. Tampa com cera os ouvidos dos teus companheiros para não caírem na armadilha sonora. Se, entretanto, quiseres o mel do concerto delas, ordena que te amarrem de pés e mãos ereto no mastro. Que o nó seja duplo. Entrega-te, então, ao prazer de ouvi-las. Se, por acaso, pedires que afrouxem as cordas, ordena-lhes que as apertem ainda mais’”. (HOMERO, 2008, p. 217).

E assim segue Ulisses, ordenando, já depois da partida, que só a ele está reservado ouvir o canto. Ordena-lhes que o amarrem firmemente, ereto junto ao mastro e, se rogar que o soltem, que os comandados redobrem o nó dado. Assim o fazem e é narrado o canto das Sereias que, até então, permanecia em sigilo mortal.

São esses dois episódios, do ciclope e das sereias, que Adorno e Horkheimer desfilam suas teses acerca da proto-história da subjetividade ocidental. A astúcia que é uma salvação do herói mítico também se volta contra si próprio acabando com sua individualidade. Há um entrelaçamento entre salvação e perdição, liberdade e aprisionamento, que marca profundamente a racionalidade moderna, onde a técnica outrora responsável por libertar o homem do jugo da natureza agora lhe coloca num mundo totalmente administrado.

Na astúcia envolvida na aventura com o gigante ciclope, Odisseu salva a própria vida fazendo-a desaparecer. Com as sereias, o canto pode ser ouvido mas, em contrapartida, sua ação derradeira não pode ser executada, o prazer de ouvir o canto das sereias pressupõe uma queda da autonomia de Ulisses em gozar livremente do encanto. Como dizem Adorno e Horkheimer (1985, p. 64), Ulisses, tecnicamente esclarecido, isto é, deixando-se amarrar voluntariamente, arranja um modo de, entregando-se ao canto das sereias, não ficar entregue a elas. Os marinheiros de Ulisses, assim como os trabalhadores modernos, recalcam a satisfação para continuar a labuta. Em ambos, Ulisses pode driblar a inevitabilidade do destino mítico mas de forma que ele próprio se perde.

Em ambos os exemplos o que está em jogo é uma capacidade racional de antecipação e cálculo do que pode e deve acontecer. Desde o mito o pensamento funciona a partir dos registros da calculabilidade, do controle, da antecipação/predição, elementos que são herdados pela razão moderna. Na genealogia da razão ocidental o que Adorno e Horkheimer encontram é uma ânsia de controlar a natureza que se reverte em domínio do homem pelo homem. A astúcia mítica que une os processos de renúncia e sacrifício constitui, portanto, a base da dinâmica iluminista onde autonomia se reverte em heteronomia.

Mito x Razão: Vernant, Adorno e Horkheimer.

O projeto da DE foi o de relacionar mito e racionalidade para encontrar uma forma de compreensão do episódio histórico imprevisível e inacreditável do totalitarismo fascista, isto é, fenômeno ininteligível a partir do ponto de vista do esquema racional positivo. Ao propor que a base do mito produz uma relação que envolve a astúcia (sacrifício e renúncia) como produto de um cálculo antecipador cujo objetivo é controlar a natureza e cujo efeito colateral imediato é a subjugação do próprio sujeito austucioso, a DE abre caminhos para que se pense uma mecânica da Razão moderna que produz controle, embora seus objetivos manifestos sejam a ordem, o progresso, a evolução.

Uma primeira aproximação geral pode se dar através da noção comum a Vernant, Adorno e Horkheimer de que na Grécia antiga está boa parte daquilo que constitui o mundo moderno[7]. A astúcia salientada por Adorno e Horkheimer pode ser vista como uma técnica intelectual e forma de pensamento, segundo Vernant. Por outro lado, a posição de Vernant de que os gregos nos inventaram também é compartilhada pelos primeiros. Uma vez que eles entendem que a sujeição moderna a um mundo totalmente administrado já está pressuposto no modo de funcionamento mitológico.

Os dois trabalhos convergem, portanto, na triangulação mito, pensamento e sociedade. Esse triângulo permite que os autores supracitados não entendam o mito como evento subjacente à razão. Já não definem o mito por aquilo que ele não é, como ficcional, por exemplo, mas apreendem o mito em sua positividade, situando o mito no conjunto da vida coletiva de uma sociedade (VERNANT, 2006, p. 171) e como produtora de uma determinada relação entre homens e natureza.

Vão convergir também naquilo que diz respeito a uma crítica do marxismo que resulta numa abrangência do aparato conceitual para além da economia como campo determinante das relações sociais. Em Vernant (2006, p. 9), tal crítica aparece sobretudo como uma recusa de pensar o mundo antigo a partir dos conceitos de forças produtivas, relações econômicas de produção, regimes sociopolíticos e ideologia. Em Adorno e Horkheimer, como já visto e demonstrado, tais conceitos cedem espaço para uma análise das relações entre homem e natureza como produtora de uma dominação.

Embora esta escrita chegue ao seu fim sem ter dado uma resposta satisfatória da ausência de referência ao trabalho dos frankfurtianos Adorno e Horkheimer na obra de Vernant, ficou claro que, apesar dessa ausência, podem haver relações entre essas obras que se tocam em determinados pontos: como na relação entre mito, sociedade e pensamento e na posição crítica com relação ao esquema marxista vigente. De modo que essa falta de menção não significa, de modo algum, um descarte de Vernant desse marxismo de matriz ocidental que veio a condicionar o nascimento da teoria crítica. Essa ausência, portanto, pode ser entendida como uma porta aberta para conexões vindouras que se proponham a pensar as relações existentes entre mito, sociedade, história e subjetividade.


Bibliografia:

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WIGGERSHAUS, Rolf. A Escola de Frankfurt: história, desenvolvimento teórico, significação política. 2. ed Rio de Janeiro: DIFEL, 2006.


[1] Diz Foucault: “Se eu tivesse deparado com a Escola de Frankfurt quando era jovem, teria ficado seduzido a ponto de não fazer mais nada na vida senão comentar seus trabalhos. Em vez disso, sua influência sobre mim é retrospectiva – uma contribuição que recebi quando já não estava mais na idade das ‘descobertas’ intelectuais’.” (JAY, 2008, p. 20) E em outro momento, diz: “Se eu tivesse conhecido a tempo a Escola de Frankfurt, muito trabalho me teria sido poupado. Eu não teria dito tantas tolices, teria evitado muitos rodeios tentando não me enganar, quando a Escola de Frankfurt já tinha aberto o caminho”. (WIGGERSHAUS, 2006, p. 36)

[2] Assoun (1991, p. 6) diz que ao se falar sobre a Escola de Frankfurt, convém deixar o campo deliberadamente aberto, praticando uma espécie de epoche (redução) fenomenológica. Esse processo de redução consistiria, segundo Giles (1989, p. 75), em colocar fora de circuito a doxa, a opinião, a atitude natural, revelando o objeto enquanto visado, ou seja, enquanto fenômeno singular.

[3] Inquietação que também foi fruto de saber que o próprio Vernant afirmou ser profundamente marcado pelo marxismo e o considerava metodologicamente indispensável. Diz o autor: “Fui profundamente marcado pelo marxismo, no qual mergulhei desde minha adolescência, há quase meio século. Falo do marxismo de Marx, não desse catecismo revisto e corrigido, às vezes até censurado, ao qual foi reduzido, primeiro para justificar determinada prática política, em seguida para justificar um sistema de Estado burocratizado e de governo autoritário. O primeiro me parece uma metodologia crítica indispensável para colocar corretamente questões de história; o segundo aparece como um substituto da religião trazendo a seus fiéis certezas e respostas prontas, o que evita que eles pensem em perguntas embaraçosas. Entre os dois, a diferença talvez seja da mesma ordem que entre mito e razão”. (VERNANT, 2002, p. 56). Em outra citação, ainda mais aproximativa, diz Vernant: "Essa problemática, que procurei aplicar à Grécia Antiga, situa-se precisamente na junção do marxismo e do estruturalismo" (ibidem, p. 57).

[4] Dizem Marx e Engels (2006, p. 57): “O progresso da indústria, cujo agente involuntário e passivo é a própria burguesia, substitui o isolamento dos operários, resultante da concorrência, por sua união revolucionária resultante da associação. Assim, o desenvolvimento da grande indústria abala sob os pés da burguesia a própria base sobre a qual ela produz e se apropria dos produtos. A burguesia produz, acima de tudo, seus próprios coveiros. Seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis”. O desenvolvimento das forças produtivas surge, portanto, como finitude para o capital. O que há nesse trecho é a idéia marxista de uma passagem catastrófica (FAUSTO, 2007, p. 59) do capitalismo ao socialismo, mediada pelo constante progresso produtivo.

[5] Assoun (1991, p. 17) também aponta como um dos maiores herdeiros da Escola o pensamento de Habermas, que faz parte da chamada “segunda geração” da Escola.

[6] Diz Arendt (apud Jacoby, 2007, p. 121): “O nazismo não deve nada a parte alguma da tradição ocidental, seja ela alemã ou não, católica ou protestante, cristã, grega ou romana, [...] o nazismo é, na verdade, o colapso de todas as tradições alemãs e européias, tanto das boas quanto das más”. Contudo, essa não foi a única concepção de Arendt sobre o fenômeno do nazismo. Por exemplo, em sua última obra, falando sobre a banalidade do mal, Arendt (2008, p. 18) afirma: “O que me deixou aturdida foi que a conspícua superficialidade do agente tornava impossível rastrear o mal incontestável de seus atos, em suas raízes, em níveis profundos. Os atos eram monstruosos, mas o agente – ao menos aquele que estava em julgamento – era bastante comum, banal, e não demoníaco ou monstruoso”. A partir dessas reflexões, o fenômeno do nazismo deixou de ser um acidente de percurso.

[7] Diz Vernant (Folha de São Paulo, 31/10/1999, caderno MAIS!): “Acredito, de fato, que os gregos em grande parte nos inventaram. Sobretudo ao definir um tipo de vida coletiva, um tipo de atitude religiosa e também uma forma de pensamento, de inteligência, de técnicas intelectuais, de que lhes somos em grande parte devedores. A história do Ocidente começa com eles”.

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