Sobre o objetivo deste blog.

Os textos a serem postados aqui neste blog se referirão sobremodo ao campo da clínica (da psicoterapia e da técnica) e suas interfaces, tais quais, a arte (literatura e cinema) e o social (política e subjetividade). O objetivo deste blog é servir como um meio de informação acerca da relevância e viabilidade do processo psicoterápico, bem como levar à reflexão acerca da contemporaneidade através do arcabouço teórico psicanalítico.

domingo, 28 de novembro de 2010

A vontade de potência e a criação humana: uma reflexão aproximativa entre os pensamentos de Nietzsche e Castoriadis.

Nota prévia: O texto que se segue é fruto de uma vivência que aconteceu no primeiro semestre letivo de 2010, na disciplina da pós-graduação em psicologia social da Universidade Federal de Sergipe, Tópicos especiais em psicologia social e política. Este texto, apresentados aqui com formato de artigo, faz parte do escopo desta disciplina na medida em que estão inseridos em seu objetivo mais geral, a saber, a discussão sobre a constituição da psicologia social a partir de seu caráter sócio-histórico e a indagação acerca das instituições que estão no cerne da constituição da realidade social, através de uma interlocução de textos oriundos da história, antropologia, filosofia e sociologia na busca pelo entendimento das especificidades das relações sociais contemporâneas. Além deste, o já publicado e postado neste blog, Mito e racionalidade: A crítica do iluminismo na Dialética do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer, também escrevi um chamado Mauss e Foucault: um diálogo silencioso sobre corpo e técnica, postarei este em breve.


Leomir Cardoso Hilário

Resumo: Este texto visa aproximar os pensamentos de Nietzsche e Castoriadis através dos conceitos de vontade de potência e de criação humana, pontuando uma convergência na dissolução do esquema arque-teleológico da razão ocidental, isto é, da idéia de que existe uma causa final e primária, e uma divergência no que diz respeito à questão da verdade, especificamente ilustrando o que é que Nietzsche e Castoriadis fazem com a crítica da verdade, como eles encaminham, cada um a seu modo, o questionamento da verdade. Ao final problematiza-se a questão do projeto da autonomia da sociedade e o pensamento como uma prática de liberdade.

Palavras-chave: Psicologia, filosofia, vontade de potência, imaginário, criação humana, autonomia, verdade, Nietzsche, Heidegger, Castoriadis.

Introdução

Nietzsche é um dos que fundaram uma nova hermenêutica, essa é a opinião de Foucault (2008). Isso significa dizer que o pensamento de Nietzsche, assim como os de Marx e Freud, pensadores que são alvo das críticas e reflexões de Castoriadis, constitui o nosso solo contemporâneo, ou seja, a nossa forma de pensar, de problematizar questões. Não é difícil constatar a presença de Nietzsche em nosso pensamento atual. As raízes nietzchianas, como demonstrou Dosse (2007), estão presentes nos pensamentos de Foucault, Lacan e Derrida. Pode-se acrescentar a essa lista os nomes de Lyotard, Bataille, Deleuze, Baudrillard, dentre outros. Não é por acaso que todos sejam franceses. Castoriadis, afinal de contas, é um filósofo greco-francês, isto é, nascido na Grécia, procurando pensar como um grego enraizado naquilo que entende por um projeto de autonomia que atravessa e constitui a filosofia, mas, ao mesmo tempo, ocupando um lugar na França do século XX e, assim, debatendo-se com e contra os modos de pensamento vigentes e hegemônicos desta época.

O Nietzsche que ressoa nos corredores intelectuais franceses da época é, em grande parte, o que se passa pelas lentes de Heidegger. Daí Dosse (2007) preferir falar em “raízes nietzscheo-heideggerianas” do pensamento que se contrapôs ao estruturalismo, o que veio a se chamar de “pós-estruturalismo”. Castoriadis, mais de uma vez, contrapõe-se frontalmente a essa leitura, chegando a afirmar, inclusive, que a tese do “fim da filosofia” preconizado por Heidegger não significa mais do que o abandono sistemático da possibilidade de autonomia. Se o Nietzsche que aparece nos textos de Castoriadis (1982, 2007) é quase sempre o de Heidegger, é difícil saber até onde e em que momento o filósofo critica o primeiro. Essa escrita, portanto, é uma tentativa de mapear dois pontos envolvendo esses dois filósofos: um de convergência, outro de divergência.

O primeiro diz respeito à coadunação de Castoriadis com o pensamento nietzschiano naquilo que se refere ao abandono de qualquer ponto primário da vida humana, a saber, à noção de que existiria um núcleo duro da criação, uma espécie de ponto nodal que explica o início da atividade especificamente humana. Por conseguinte, o pensamento nietzschiano também destrói a idéia de um fim ou de uma função para a vida. Há uma convergência, portanto, no pensamento de Castoriadis com o de Nietzsche, até mesmo, nesse particular, com a leitura heideggeriana, com aquilo que se pode chamar de dissolução do esquema arque-teleológico da razão ocidental (OLIVEIRA, 2004). Em outras palavras, a convergência está situada na recusa tanto de se pensar uma causa primeva do processo de instituição da sociedade, como de pensar uma chegada última, isto é, um objetivo que a sociedade persegue durante a história.

O segundo concerne ao dissenso que envolve o conceito de verdade e sua incidência nos modos de vida e na subjetividade. Para Nietzsche, como aponta Machado (1992), a verdade é fruto de uma vontade de verdade que se constrói a partir de uma hipótese de que o verdadeiro é superior ao falso. Em outras palavras, propriamente nietzchianas, a verdade é a imposição de um modo de vida fraco, ancorado na filosofia platônica e no cristianismo e que frutifica na ciência moderna e na filosofia alemã do século XIX, por exemplo. No pensamento de Castoriadis (2007), por sua vez, a verdade envolve um questionamento acerca da instituição da sociedade. Assim, a questão da verdade aparece como possibilidade de interrogação ilimitada, como um exercício da autonomia, fundada pelos gregos e retomada pela Europa do século XVII. Essa divergência desemboca numa outra concepção do que é o projeto da filosofia, numa negação crítica da idéia nietzscheo-heideggeriana de um fim da filosofia e também de uma concepção de verdade como instrumento dominativo de uma modalidade de vida.

Os conceitos que vão balizar esse encontro entre Nietzcshe e Castoriadis são os de vontade de potência e o de criação humana. A escolha desses dois conceitos se deu pelo fato de que ambos não foram devidamente acabados por seus autores e ao mesmo tempo indicam a efervescência criativa de ambos, ou seja, a possibilidade constante de surgirem novos caminhos para outras formas de pensar. Com relação ao conceito nietzchiano, trata-se de um ponto polêmico dentre os estudiosos dessa filosofia, há autores que o consideram como um dos mais potentes e inovadores. É o caso de Deleuze (2001), e há outros que se voltam contra a obra intitulada Vontade de potência, como é o caso de Marton[1]. Por outro lado, A criação humana era o título que Castoriadis (2007, p. 16) usaria para o coroamento de todo o seu trabalho desde A instituição imaginária da sociedade. Embora não tenha concretizado o projeto, Castoriadis deixou uma série de cursos ministrados na EHSS (École de Hautes Études em Sciences Sociales), que podem ser colocados como laboratórios do que viria a ser A criação humana, e dos quais os seminários de 1986-1987 serão utilizados como base dessa escrita, intitulados Sujeito e verdade no mundo social-histórico.

O mapeamento dessa convergência e divergência, ainda que tão diminuto e circunscrito a duas temáticas específicas, entre os pensamentos de Nietzsche e Castoriadis, pode servir como um alento para se pensar atualmente as questões de autonomia/heteronomia, Estado/poder, o papel do pensamento e o encontro de vários saberes (psicanálise, filosofia, psicologia, marxismo etc.) convergindo para um projeto comum de problematização do mundo contemporâneo, possibilitando a renovação de certas categorias reflexivas, como é o caso aqui da noção de verdade. Nesse tipo de projeto comum envolvendo as chamadas ciências humanas, um elemento salutar é conseguir fazer da atividade de pensar e dos conceitos algo como uma caixa de ferramentas para a construçao de algo porvir, como apontou Foucault (2005, p. 71).

Ponto de convergência: abandono do funcionamento arque-teleológico da razão ocidental por Nietzsche e Castoriadis, afirmando a vontade de potência.

Para a compreensão dessa dissolução da razão em dois registros, da arché e do telos, convém retomar o objetivo da enunciação do personagem conceitual que Nietzsche chama de Zaratustra. Após descer as montanhas, Zaratustra anuncia aos homens que Deus está morto. Essa frase procura combater o pensamento racional em três fronts: primeiro defendendo o fim de qualquer tipo de transcendência, segundo recusando substitutos a essa instância divina recusada e terceiro como dispositivo de desvalorização dos valores cristãos.

Em primeiro lugar, em Nietzsche a morte de Deus é uma recusa de um mundo suprasensível (MOURA, 2005, p. 7). Nesse quesito, o projeto da genealogia da moral enquanto crítica dos valores morais a partir da discussão desses valores conhecendo as condições e os ambientes em que nasceram, em favor dos quais se desenvolveram, indica que uma das propostas filosóficas de Nietzsche é reconhecer no valor não a materialização sensível do mundo inteligível (dialética platônica entre cópias e simulacros em busca de uma maior aproximação da Idéia). Ou seja, a recusa da transcendentalidade abre espaço para a noção de que os valores morais não são sublimes, mas resultantes de uma guerra entre modos diferentes de vida. Afirma-se, portanto, a posição que prentende compreender os valores não a partir de uma instância transcendental que guardaria seu sentido último, mas sim a partir de uma imanência propriamente humana. Com a afirmação da morte de Deus, são os homens que devem estipular para si mesmos seus próprios valores, daí a necessidade do surgimento do que Nietzsche entende por super-homem.

A morte de Deus é colocada, nesse primeiro ponto, como uma surpressão do mundo metafísico e como uma quebra do solo fixo dos valores até então colocados como inquestionáveis. Ao anunciar a morte de Deus, Nietzsche pretende transformar a moral em problema e abalar a cofiança irrefletida nos valores morais estabelecidos, tais quais o bem, o bom, o justo, a verdade etc. Já não há mais possibilidade de pensar uma origem fixa e imutável dos valores, tampouco compreender os valores estabelecidos como ultimatos inquestionáveis. Já não há, isto posto, nem origem possível definitiva de produção de valores nem ponto final a ser estabelecido na luta envolvendo a expansão ou diminuição da vontade de poder. Posteriormente se voltará a este ponto.

Em segundo lugar, a anunciação da morte de Deus é uma crítica explícita à filosofia alemã do final do século XIX, especificamente a filosofia de Feuerbach. Em uma de suas obras, Feuerbach (2002) defende um ateísmo filosófico em contraposição ao pensamento hegeliano e à teologia. Em linhas gerais, procura entender que Deus não existe em si e por si, não é sujeito, mas sim objeto, predicado humano. Em Deus o homem se encontra alienado de si mesmo. De um lado, a atividade poderosa de Deus e de outro a passividade absoluta do homem. A atividade humana encontra-se sacrificada à ação sobre-humana divina. Feuerbach (VAZQUÉZ, 1967) propõe então uma antropologia, isto é, a destruição da idéia de que Deus é o sujeito para um estudo que coloque o Homem como elemento central e produtor. Feuerbach é, por essa tese ateísta e antropológica, o interlocutor de Nietzsche quando este afirma a morte de Deus (MOURA, 2005, p. 10).

Deleuze (2001, p. 227) utiliza uma imagem elucidativa a esse respeito: ele questiona por que é que o homem teria matado Deus senão para lhe ocupar o lugar ainda quente. A tese nietzcshiana pode ser entendida como uma anunciação não para aqueles que ainda acreditavam em Deus no século XIX mas sim justamente para aqueles que já diziam não acreditar, como é o caso do filósofo ateu Feuerbach. Nietzsche entende que esse ateísmo apenas desloca o divino para uma outra região, sem criticar o ideal da dinvidade, colocando o Homem no lugar que outrora fora ocupado por Deus. Não há, para Nietzsche, o homem genérico como ponto de produção primário dos valores humano. A morte de Deus explicita também a impossibilidade de se pensar uma origem dos valores, seja em Deus ou no Homem. Estipular uma nova arché, pôr o Homem como patrocinador primário da criação dos valores é apenas mais uma forma de pensamento pautada pelos valores cristãos, ainda que com uma negação explícita da instância divina mantém-se uma mesma forma de se pensar, partir de uma causalidade primária e de uma finalidade derradeira. Portanto,

“o fato de substituir Deus pelo homem, de colocar valores reconhecidamente humanos no lugar dos valores considerados divinos, não muda o essencial. Não basta a ‘morte de Deus’ para destruir e superar o niilismo: isso pode representar apenas sua exacerbação. É preciso destruir a moral.” (MACHADO, 1999, p. 80)

Assim, a crítica dos valores morais aparece na idéia de morte de Deus primeiro através da queda do transcendente como instância determinante para a criação dos valores e também como erosão de uma forma de pensamento por origens e fins. Para não recair num cristianismo camuflado e permanecer numa mesma maquinaria, Nietzsche pretende entender qual é o valor dos valores. A posição de desvalorizar os valores cristãos como consequência das duas operações anteriores, negação do transcendente e negação dos pontos causais e finais, advém de um novo princípio valorativo. O que diferencia um valor do outro não é seu conteúdo de verdade e tampouco seu grau de historicidade, mas sim qual luta ele trava com a potência da vida, se ela aumenta ou diminui.

Na gênese do valor dos valores não se encontra um princípio causal que dá espaço a uma interpretação finalista, mas um campo imanente de forças que se contrapõem. Esse campo é a vontade de poder. Como afirma Deleuze (2001, p. 77):

“É isso a vontade de poder: o elemento genealógico da força, simultaneamente diferencial e genético. A vontade de poder é o elemento de onde dimanam simultaneamente a diferença de quantidade das forças postas em relação e a qualidade que, nessa relação, marca cada força. A vontade de poder revela aqui a sua natureza: é o princípio para a síntese de forças”.

O valor dos valores não está, portanto, no fato de eles serem verdadeiros ou falsos, mas sim de eles serem ativos ou reativos, qualidades originais da força. A questão deixa de ser, por exemplo, o que é o Bem e passa a ser quem quer o Bem, que modo de vida se ancora na idéia da superioridade do Bem sobre o Mal? De outra forma, que tipo de dinâmica de forças está em jogo quando se fala em Bem? O quem se refere a um personagem específico, o filósofo dogmático cujo opositor é o filósofo do futuro ou espírito livre.

Na questão dos valores, portanto, Nietzcshe não se preocupa com a veracidade ou falsidade, mas com o tipo de vida que se sustenta. No processo de transvaloração dos valores, a vida, em seus aspectos ativos/reativos e afirmativos/negativos, é o que constitui o valor dos valores. A vida entendida como um constante jogo de forças e não como algo que tem um princípio determinado e um fim, ou um sentido. Para além do filósofo dogmático como sujeito do platonismo, isto é, como aquele que submete o pensamento para a instância arque-teleológica, há também outros personagens conceituais nietzchianos que visam dar conta de outros modos de vida que emergem. Por exemplo, o sacerdote, que colocará em marcha a questão do ressentimento, da má consciência e do ideal ascético. O que esses personagens conceituais mostram é que, para Nietzsche, os valores são determinados a partir de uma gestão da vontade de poder que, a seu turno, é levada a cabo por um determinado modo de vida.

Ao retirar o valor da esfera transcendental, ao recusar um tipo de pensamento que mantém as mesmas bases e ao criar uma ferramenta para a desvalorização do modo de vista cristão, Nietzsche faz com que os valores tenham na base uma dinâmica de forças e sejam coagulações de um processo de luta, o qual objetiva a predominância de determinadas modalidades de vida que, por sua vez, servem a um determinado contexto social e histórico. Ou seja, os valores já não pairam mais no ar, mas sim se encontram definitivamente na terra dos homens que os usam para impor uns aos outros certas formas de vida. Isto posto, ao se pensar os valores, a partir da ótica nietzschiana, há de um lado uma dinâmica de forças e, de outro, uma construção social-histórica dessa dinâmica sob a forma de modo de vida.

Há uma citação direta de Nietzsche que pode ilustrar de forma ampla e fidedigna a posição do próprio filósofo acerca do que vem sendo dito sobre a abertura que o conceito de vontade de potência possibilita:

“E sabeis sequer o que é para mim ‘o mundo’? (...) uma monstruosidade de força, sem início, nem fim, uma firme, brônzea grandeza de força, que não se torna maior, nem menor, que não se consome, mas apenas se transmuda, inateravelmente grande em seu todo, uma economia sem despesas nem perdas, mas também sem acréscimo, ou rendimentos, cercada de ‘nada’ como de seu limite, nada de evanescente, de desperdiçado, nada de infinitamente extenso, mas como força determinada posta em um determinado espaço, e não em um espaço que em alguma forma estivesse ‘vazio’, mas antes como força por toda parte, como jogo de forças e ondas de força ao mesmo tempo um e múltiplo (...) Esse mundo é a vontade de potência – e nada além disso!”. (NIETZSCHE, 1996, p. 450)

Há dois conceitos do pensamento de Castoriadis que sinalizam uma convergência para com essas formulaçoes de Nietzsche: o primeiro é o conceito de imaginário e o segundo de desfuncionalização, ambos apontam para um pensamento que recusa as idéias de um princípio causal unívoco e da noção de que há um final, uma teleologia no processo de criação humana; afirmam, por sua vez, uma imanência radical no lugar da causa primária e um recorte sempre determinado naquilo que se apresenta como dado, institucionalizado.

Conforme demonstra Augras (2000), o conceito de imaginário esteve quase sempre relegado a um segundo plano. O imaginário era percebido, por exemplo, como um termo relacionado subalternamente à razão; ou seja, o imaginário como ficcional e a razão como realidade. Na relação com a racionalidade, a idéia de imaginário aparece sobreposta a uma atitude de desqualificação implícita. É certo que autores como Sartre, Lacan e Bachelard vão, cada um a seu modo, tentar evidenciar de alguma forma a noção de imaginário. Em que pese as diferenças entre os três autores, o imaginário não ganha uma autonomia e relevância como nas obras de Castoriadis.

Isso acontece porque ele erige o imaginário como elemento sem o qual não existe processo de instituição da sociedade, sem o qual não há razão possível[2]. Castoriadis propõe uma guinada radical no conceito de imaginário. Uma longa citação direta serve como atalho conceitual:

“O mundo das significações tem que ser pensado, não como uma réplica irreal de um mundo real; não como um outro nome para um sistema hierárquico de ‘conceitos’; não como um formado pelo que, das representações individuais, é ‘exprimível’ – ou como o que deve ser postulado como correlato ‘objetivo’ das noeses subjetivas finalmente, não como sistema de relações que se acrescentariam a sujeitos e objetos plenamente determinados sob outros aspectos e modificariam, em tal ou qual contexto histórico, suas propriedades, efeitos comportamentos. Temos que pensálo como posição primeira, inaugural, irredutível do social-histórico e do imaginário social tal como se manifesta cada vez numa sociedade dada; posição que se presentifica e se figura na e pela instituição das significações.” (CASTORIADIS, 1982, p. 413)

Não obstante essa citação inserir conceitos ainda não trabalhados nessa escrita, como os de social-histórico e significações, serve muito bem para ilustrar como se pode propor a imagem de que Castoriadis pega de empréstimo o martelo de Nietzsche (2006) e aplica golpes no pensamento acerca do social e do histórico. Ou seja, Castoriadis propõe que se há algum fundamento da instituição social, ele não é de forma alguma algo que se pode chamar de passagem para a linguagem ou processo de trabalho, para citar duas hipóteses. Nega-se, a partir daí, certo tipo de pensamento que busca encontrar pontos fundantes do ser social.

A martelada nietzschiana de Castoriadis, por assim dizer, consiste em puxar a instância do imaginário para antes e não para depois da razão, o imaginário constitui-se como raiz (AUGRAS, 2000). O que não significa, lembrando a advertência de Nietzsche, colocar a ordem divina para um outro lugar, mas sim quebrar um modo de pensamento, pôr um campo imanente como constante produtor de significações imaginárias instituintes na base da sociedade. Nas palavras de Castoriadis, é preciso, assim, postular um outro nível de ser, “o social-histórico, o imaginário social como instituinte, campo de criação de formas que surge a partir do momento em que existe uma multiplicidade de seres humanos, mas inobservável em suas origens”. (2007, p. 49)

Assim como Nietzsche, Castoriadis nega que se possa compreender a sociedade a partir de um determinismo, ou de uma procura pela essência, pelo postulado de um ponto responsável pela hominização dos homens. Se Nietzsche afirma que os valores humanos não são fixos e eternos, Castoriadis entende que as significações imaginárias também fazem parte de um processo histórico que não remete, assim como a escala dos valores em Nietzsche, a um ponto fixo causal tampouco a uma finalidade última.

A decisiva correspondência entre o pensamento de Castoriadis com o de Nietzsche naquilo que tange ao projeto de derrubada do esquema arque-teleológico da razão ocidental se consuma na noção de que a subjetividade humana é desfuncionalizada. Para Castoriadis (2007, p.102), isso significa dizer que a psique humana em geral não trabalha de maneira funcional, quer dizer, não está sujeita a uma finalidade. Ela consegue tanto se descolar do substrato biológico como possuir a capacidade de criação de novas formas de subjetividade. Isso implica dizer que se não há ponto nodal no princípio mas sim um campo imanente de forças, aquilo que está estabelecido pode ser contestado e deve ser modificado. Não em busca de um fim feliz e pacificado, mas pela abertura sempre constante do processo de questionamento do que está posto, instituído. É por um projeto de constante instauração do instituinte, através da crítica do esquema racional que opera enxergando princípios e fins, que os pensamentos de Nietzsche e Castoriadis convergem.

Ponto de divergência: a verdade como imposição de um modo de vida (Nietzsche) ou como possibilidade de interrogação ilimitada (Castoriadis)?

Se com relação à crítica do esquema arque-teleológico da razão ocidental, isto é, como crítica das essências, dos finalismos, dos determinismos, da casualidade etc., os pensamentos de Nietzsche e Castoriadis encontra um ponto de convergência que produz novos conceitos para se pensar, tais quais o de vontade de potência e imaginário, tipos de vida e desfuncionalização, o mesmo não ocorre quando os autores refletem sobre a questão da verdade.

Em Nietzsche a verdade aparece como instrumento de dominação, como imposição num dado jogo de lutas, assim como os valores. Utilizando as palavras do filósofo: “O mundo verdadeiro e o aparente – essa oposição é reconduzida por mim a relações de valor” (NIETZSCHE, 2008, p. 268). Já em Castoriadis (2007, p. 326), a verdade é um movimento “que visa ir além da instituição dada das crenças, das representações e mesmo das regras de inferência e dos postulados últimos do discurso na sociedade considerada”. Ou seja, Castoriadis compreende que há um projeto de verdade que se encontra na raiz da filosofia. Apesar de os conceitos assim apresentados já aparecerem como distantes, é aquilo que eles objetivam que os tornam ainda mais desalinháveis um ao outro. O primeiro passo é entender de forma mais pormenorizada qual o conceito de verdade nos dois filósofos para depois entender a divergência de objetivo.

Todos os homens têm, por natureza, o desejo de conhecer. Esta é a frase que abre a Metafísica, de Aristóteles (1984). Essa metafísica aristotélica se propõe a ser uma ciência que se ocupa das realidades que estão acima das físicas, das realidades suprafísicas. Foi assim denominada, de metafísica, para caracterizar a tentativa do pensamento humano de ultrapassar o mundo empírico para alcançar uma realidade meta-empírica (REALE, 1994, p. 335). Antes de Aristóteles, o mito da caverna platônico já havia colocado as bases de entendimento que viriam a afirmar que o campo próprio da filosofia é o desejo pela verdade.

A posição de Nietzsche é a de entender que a verdade herdada do platonismo coincide com o mundo suprassensível, sendo a própria crença na razão como instrumento privilegiado para alcançá-la um fenômeno moral (ANDRADE, 2007, p. 197). A filosofia, sendo definida como a busca dessa verdade suprassensível, foi sempre uma forma de dominação de um modo de vida, no decorrer da história da humanidade.

Em seu livro Verdade e mentira num sentido extra-moral, Nietzsche dá com clareza sua definição:

“O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie”. (NIETZSCHE, 1996, p. 57)

Em um aforismo póstumo, continua:

“a verdade não é algo que estaria aí e que poderia ser encontrada e descoberta, mas algo que deve ser criado e que nomeia um processo, mais ainda, uma vontade de dominação, que em si não tem fim: infundir a verdade como um processus in infinitum, como uma determinação ativa, não como uma conscientização de algo, que ‘em si’ seria fixa e determinada. Trata-se de uma palavra para a ‘vontade de poder’”. (NIETZSCHE, 2005, p. 243)

Este último aforismo denota que a verdade está submetida à vontade de poder, por isso não tem finalidade nem ponto causal primário unívoco, serve, desta forma, a um impulso que pretende dominar a vida, há uma crítica direta à tradição filosófica de matriz platônica-aristotélica. O aforismo anterior mostra que por um processo histórico a ilusão se transforma em verdade inconteste. É por uma dinâmica constante de luta, que envolve a história, que a verdade se impõe para uma determinada sociedade e para um conjunto de sujeitos.

A essa dinâmica Nietzsche (2005, p. 242) chama de “vontade de verdade”, isto é, o ato de fixar, de fazer com que o verdadeiro seja duradouro, de desviar o olhar desse caráter falso. Imputar uma vontade de conhecimento verdadeiro inerente ao homem, como se fosse um dado natural e essencial, é querer dominar a vontade de potência. A esse respeito, Machado (2002, p. 36) afirma que a verdade, segundo o pensamento de Nietzsche, não tem como critérios a evidência e a certeza; tem como condição um esquecimento e uma suposição.

Assim, toda a tradição filosófica, inclusive seu projeto fundador de aspirar ao Verdadeiro, encontra-se posta em xeque. Para Nietzsche (s.d), portanto, criticando a tradição filosófica hegemônica até então, e diretamente a platônica-aristotélica, não há instinto de verdade mas sim um instinto de crença na verdade. Ao conectar o conhecimento a tipos determinados de vida, relega o verdadeiro a um segundo plano, a um nível mais baixo da atividade do pensar. A questão não é da verdade ou falsidade de um conhecimento, mas do valor que se atribui a ele e à verdade. Dá-se, em Nietzsche, uma negação daquilo que seria o projeto filosófico e o completo descarte da noção de verdade que se estabelece na Grécia a partir de Sócrates.

Para Castoriadis, a verdade aparece como algo diverso. Assim como Nietzsche, ele se contrapõe diretamente à noção de verdade que se estabelece a partir de Platão. Porém, diz expressamente que não é essa verdade que o interessa. Tampouco a noção de verdade nietzscheo-heideggeriana que exclui da noção grega de verdade a existência e a criação da democracia. Grosso modo, o que Castoriadis faz é unir a questão da verdade com a questão da democracia enquanto questionamento constante da instituição da sociedade sem estar aprisionada ou ancorada em algum pensamento transcendental e inquestionável, eterno. Portanto, na reflexão sobre a verdade Castoriadis puxa a criação humana da democracia como elemento mais importante.

Para usar as palavras do autor:

“O que é próprio e o aporte dos gregos foi a abertura dessa questão preliminar a todas as outras e, na verdade, co-constitutiva de todas as outras: o que devemos pensar?, deixando de lado toda Revelação (desconhecida, de todo modo, dos gregos) e toda Tradição (...) Formalmente, a colocação dessa questão pressupõe uma liberdade, criada na e pela colocação da própria questão”. (CASTORIADIS, 2007, p. 317)

A filosofia provoca uma abertura da interrogação ilimitada, rompendo com o fechamento no e pelo qual se havia constituído a humanidade, segundo Castoriadis (2007, p. 316). Portanto, a história da filosofia, desde Platão, não é, como pensou Heidegger (2005) a história do esquecimento do ser e do estabelecimento de uma ontoteologia marcante. A filosofia é criada na Grécia, para Castoriadis, como dimensão essencial da criação da liberdade. A verdade é o instrumento que permite aos filósofos questionar a todo momento a instituição social na qual se inscrevem sem remeterem a nenhum argumento final fixo e imutável.

A questão da verdade, do exercício do questionamento daquilo que se estabelece como verdadeiro numa dada instituição social, surge então como questionamento das leis que regem a própria existência, como um projeto de autonomia, portanto. Como diz Castoriadis:

“O surgimento do mundo social-histórico do questionamento em um sentido que conduz à questão da verdade como interrogação ilimitada, e não no sentido banal de um questionamento que vai de par com a linguagem e que existe, portanto, em toda sociedade. Essa questão da verdade não diz respeito apenas ao conhecimento: a verdade não é uma questão de ‘teoria do conhecimento, está longe, em particular, de ser simplesmente um problema de correção ou de retidão dos enunciados, ou seja, uma propriedade das proposições em uma lógica proposicional. Ela vai muito além disso. Ela abre também, para, é pressuposta por, vai de par com a emergência nessas mesmas sociedades de questões como a da justiça, por exemplo”. (CASTORIADIS, 2007, p. 326)

A diferença conceitual, aparentemente divergente, situa-se, isto posto, no fato de que Nietzsche entende a tradição filosófica herdada como um projeto de dominação de um tipo de vida enquanto que Castoriadis a entende como uma conexão entre pensamento e liberdade, filosofia e autonomia, abertura da questão ou da interrogação ilimitada e colocação efetiva da questão política, como duas faces do mesmo.

Tal divergência não deve levar à conclusão de que Castoriadis adere ao modo de filosofar platônico. O que ocorre é uma outra crítica, diversa da de matriz nietzschiana, que tem como objeto a matriz platônica da filosofia. Questão que escapa ao escopo dessa escrita. Para finalizar o ponto de divergência entre Nietzsche e Castoriadis naquilo que diz respeito ao conceito de verdade, uma citação direta:

“Pensar não é um deixar ser, mas uma atividade que nada tem a ver com a vontade de domínio, ao contrário até, porque o que se coloca em jogo aqui é uma vontade de reconhecimento – não no sentido da teoria do conhecimento e menos ainda em um sentido moral ou afetivo, mas reconhecimento no sentido primeiro – e essa vontade de re-conhecimento é uma vontade de não deixar ser, simplesmente, isto é, de não se deixar levar. Pensar exige querer verdadeiramente pensar verdadeiramente, e querer pensar a verdade, ou seja, afastar todas as representações que, precisamente, se revelam insatisfatórias para o exercício dessa vontade propriamente, logo, afastar as representações simplesmente dadas ou que afluem na corrente inesgotável da imaginação.” (CASTORIADIS, 2007, p. 328)

Escapando à teleologia, à arqueologia e também às antinomias ou antagonismos.

A escolha dos dois conceitos, de vontade de potência e criação humana, deu-se, conforme já dito, devido à característica de ambos de serem inacabados, logo, conceitos não fechados e, em certa medida, não-conceitos, sobretudo o de Castoriadis que nunca chegou a ser explicitado. Trata-se, portanto, de conceitos inacabados. Assim, seria um contra senso concluir que os conceitos se anulam em si mesmos e que, assim, a filosofia de Castoriadis encontra um ponto de convergência total e outro de divergência direta. Duas citações de ambos os autores mostram como, naquilo que diz respeito ao conceito de verdade, apesar da diferente ótica que constróem, não estariam de todo distantes:

“Lutar por uma verdade e lutar pela verdade são coisas muito diferentes”. (NIETZSCHE, 2005, p. 27)

“não é simplesmente a criação em um mundo, mas é criação de mundo ou de mundos”. (CASTORIADIS, 2007, p. 323)

Tanto Nietzsche quanto Castoriadis utilizam a reflexão acerca da verdade para proporem a criação de novas formas de pensar, de existir. No entanto, a divergência está naquilo que Castoriadis chama de “obediência nietzschiana-heideggeriana”, a saber, a posição de que se instaurou um determinado “fim da filosofia”. Para Castoriadis (2007), quando se fala desse fim é preciso ter falar, também, em fim do projeto de liberdade ou autonomia.

É como se Castoriadis estivesse apontando para a idéia de que abandonar o conceito de verdade significa abandonar o projeto filosófico de autonomia, deixar de lado o questionamento radical da instituição da sociedade. Assim sendo, preocupa-se com uma espécie de crise desse projeto de verdade (CASTORIADIS, 2007, p. 325).

O que se constrói a partir da interlocução entre Nietzsche e Castoriadis é mais uma abertura sobre uma forma de utilizar a filosofia e o pensamento contra a instituição social vigente, como uma prática de liberdade, portanto. Seja sob a forma de crítica dos valores ou sob a forma de imaginário como instituição primeira da sociedade, o que está em jogo é um questionamento radical do que está posto, da realidade instituída.

Castoriadis opta por não descartar o projeto filosófico e da verdade, sendo contemporâneo de Heidegger, e não de Nietzsche, afirma:

“A tese do ‘fim da filosofia’ é essencialmente uma peça de ideologia política: seja quando, caso mais simples e mais fácil, é afirmada no contexto positivo-cientificista, e é então a peça do aferrolhamento necessária para que a dominação da tecnociência permaneça indiscutida e indiscutível; seja quando (Heidegger e seus epígonos) se trata de selar o isolamento do ‘pensador’ e da interrogação relativamente à sociedade e à história.”. (CASTORIADIS, 2007, p. 318)

A divergência entre Nietzsche e Castoriadis não se dá sob a forma de dois pensamentos que não podem ser dialogáveis, mas sim sob a recusa do segundo a uma tendência da filosofia do primeiro em descartar totalmente o projeto filosófico e, assim, dar margem para uma espécie de fim da própria filosofia, produzindo um silenciamento com relação às possibilidades do pensamento como prática autônoma e criativa conectada ao exercício da liberdade, principalmente em âmbito político. Tendência esta que será agudizada em Heidegger. A grande divergência está posta naquilo que se refere à utilização do pensamento em prol de um projeto de autonomia social.


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[1] Embora o contexto da colocação de Marton possa ser interpretado como uma recusa ao livo publicado, isto é, à sistematização posterior feita pela irmã de Nietzsche e não uma negação dos escritos póstumos e sua importância para a filosofia nietzschiana, a colocação dura e direta – a filósofa brasileira diz expressamente que não recomenda que se leia A vontade de poder e considera uma irresponsabilidade da casa de edição publicá-lo (Cult, nº 125, p. 27, 2008) – serve para ilustrar que ao falar de vontade de potência se está adentrando numa polêmica

[2] “O imaginário de que falo não é imagem de. É criação incessante e essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível falar-se de ‘alguma coisa’. Aquilo que denominamos de ‘realidade’ e ‘racionalidade’ sãos seus produtos”. (CASTORIADIS, 1982, p. 13)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Como escrever um estudo de caso?

Artigo publicado em: Cadernos de Graduação: ciências biológicas e da saúde / Universidade Tiradentes. – v. 11, n. 11 (jan/jun., 2010) Aracaju: Guttemberg, 2005. pps .167-180.


COMO ESCREVER UM ESTUDO DE CASO: REFLEXÕES SUGESTIVAS SOBRE O QUE É, PARA QUE SERVE E QUAL A RELEVÂNCIA DO ESTUDO DE CASO NA PRÁTICA CLÍNICA DE BASE PSICANALÍTICA


Leomir Cardoso Hilário

Angélica de Fátima Piovesan

Marilúcia Pereira do Lago

RESUMO


Este artigo tem como objetivo problematizar as relações entre estudo de caso e psicanálise através de reflexões sobre qual o conceito, qual a função e implicação do primeiro para o segundo. Defende-se que o estudo de caso proporciona, em psicanálise, a continuidade constante da interação teoria, técnica e psicoterapia, que proporciona uma atualização da psicanálise com relação ao contexto social e histórico na qual ela se inscreve e com relação aos modos de subjetivação de uma dada sociedade. Sobretudo através de obra de Freud se demonstra esse papel do estudo de caso na evolução da psicanálise. Propõe-se, também, um modelo de como pode ser escrito um estudo de caso, o qual será exemplificado através de um caso clínico, estudado na clínica-escola de psicologia sob supervisão, num período de seis meses. A partir desse estudo, fizemos algumas considerações teóricas, sobre neurose e perversão enquanto modelos de subjetividade e sua incidência na práxis clínica.


PALAVRAS-CHAVE


Psicologia, psicoterapia, clínica, psicanálise, estudo de caso.


ABSTRACT


This article aims at debating the relationship between psychoanalysis and case study through reflections about concept, function and the implications from one to another. It is argued that the case study provides, in psychoanalysis, the constant continuity of the interaction theory, technique and psychotherapy, which provides an update of psychoanalysis in relation to social and historical context in which it set, and with respect to modes of subjectivity of a given society. Mainly through Freud's work it is shown the role of the case study in the evolution of psychoanalysis. It is proposed also a model about how can be written a case study, which will be exemplified through a case studied under supervision at the school of psychology, in a six months period. From this study, we made some theoretical considerations on neurosis and perversion as models of subjectivity and its impact on clinical practice.

KEYWORDS

Psychology, psychotherapy, clinic, psychoanalysis, case study.

1 INTRODUÇÃO


Na psicoterapia de base psicanalítica, o sujeito que apresenta sofrimento psíquico constitui o pólo prevalecente naquilo que se refere à teoria, técnica e psicoterapia. O que implica dizer que, em se tratando de psicanálise, o sujeito em análise sempre interroga os pressupostos que a alicerçam. Assim, de forma bastante singular, a psicanálise opera a partir das subjetividades com as quais se depara na clínica, as quais, por sua vez, sustentam todo o edifício psicanalítico.

Se a psicanálise se caracteriza por isso, ou seja, por encontrar na subjetividade que surge na clínica seu eixo central, cumpre destacar, então, que o “caso clínico” constitui uma parte que lhe é fundamental, algo como um tribunal que julga sua eficácia técnica e a verdade de seus conceitos. A ênfase psicanalítica dada à práxis clínica é o que garante a sua atualidade mesmo depois de mais de cem anos de existência.

Na contemporaneidade marcada por profundas transformações de ordem social e política, a subjetividade também passa por modificações até então imprevistas. Alguns psicanalistas, dentre eles Zizek (1992), Melman (2008), Queiroz (2004), Ramos (2004) e Mograbi (2009), vêm sinalizando para uma conjuntura onde o sofrimento subjetivo, em grande parte, não advém do modelo neurótico, pautado na culpa e na interdição, mas sim do modelo do perverso, pela imposição do gozo consumista e pela realização do desmentido da castração que suspende a culpa, sobretudo. É evidente que, depois do que foi dito sobre a relevância da subjetividade na práxis clínica psicanalítica, esses apontamentos teóricos precisam e devem ser verificados e problematizados no âmbito da psicoterapia. A passagem da neurose para a perversão como modo de subjetivação contemporâneo é um exemplo de como reflexões teóricas podem balizar o encontro clínico, podendo fazer com que ele seja factível ou não na ordem da psicoterapia.

Este artigo tem como objetivo defender essa posição prática clínica psicanalítica através do estudo de caso. Se a contemporaneidade é marcada por uma “crise”, como se costuma dizer, é muito importante que a clínica de base psicanalítica, principalmente nas clínicas-escolas, volte-se para uma maior concentração e atenção para os casos como instrumento de formação e contínua interrogação crítica.

Estruturou-se esta escrita da seguinte forma. Em primeiro lugar, procuramos estabelecer, à guisa de introdução, o que é e no que consiste a clínica. Para isso, começamos por dizer o que não é uma prática clínica, para depois precisar no que ela é, segundo aquilo que tomamos como critério, a saber, a psicanálise de base freudiana. Em segundo lugar, objetivamos estabelecer um conceito do que é psicanálise em linhas gerais e mostrar o papel do estudo de caso em sua constante atualização, através de alguns exemplos de casos clínicos estudados pelo próprio Freud. Em terceiro lugar, explicitamos o que entendemos porestudo de caso” e propomos nossa estrutura de como escrever um estudo de caso a partir da apresentação de um caso clínico trabalhado na Clínica de Psicologia da Universidade Tiradentes.


2 O QUE NÃO É PSICOLOGIA CLÍNICA


Pode-se dizer que uma troca de informações, ainda que significativa e produtiva, sendo ocasional ou esporádica não constitui uma experiência psicológica clínica. Se esta troca de informações apenas reforça ou distorce modelos de funcionamentos mentais preexistentes que resulta numa persistência ou acréscimo de sofrimento (ansiedade e sintomas) permanentes, também não se pode falar em psicologia clínica. Ainda quando essa troca de informações, mesmo que duradoura, não propicia nenhuma transformação em seus participantes, não se trata de uma psicologia clínica, de uma psicoterapia.

Diante destes critérios (BORGE; RAMADAN, 1987) – falta de periodicidade, perpetuação e agudização do sofrimento e inexistência da transformação subjetiva – decorre-se uma série de encaminhamentos sobre o que não é psicologia clínica. A exemplo, a farmacologia se situa numa intervenção que busca uma mudança no funcionamento fisiológico do indivíduo, através de medicamentos cujos mecanismos de ação interferem nos receptores, transmissores, bloqueadores, inibidores químicos etc., sendo que a ênfase dada na intervenção farmacológica é no substrato orgânico. Ou seja, trata-se de uma visão da intervenção que tem como modelo um conjunto pré-dado de medicamentos e suas ações para serem aplicadas corretamente, em dose adequada e tempo de meia-vida calculados, no corpo que se apresenta. na psicologia clínica, o que está em jogo não é essa generalização, mas a presença da singularidade de um sujeito específico, sua história de vida particular, suas defesas consolidadas. Assim, uma atuação medicamentosa pode acontecer (e em certos casos deve) em paralelo à atuação psicoterápica, mas elas não se confudem.

Ainda que a acentuação do sofrimento não seja uma marca da experiência psicológica clínica, não se pode dizer que toda e qualquer intervenção que visaamansar” o sofrimento é automaticamente psicologia clínica. Podemos citar como exemplos: a intervenção de um padre tem como objetivo aliviar o sofrimento propondo uma penitência tarifária específica como forma de prestação de contas diante da justiça divina; a massoterapia objetiva reduzir a tensão através de uma incidência no corpo individual; uma cartomante alivia a ansiedade através de uma previsão do futuro e decifração do presente; um grande amigo fornece o ombro para o choro e as lamentações provocando sensação de conforto e alívio após um desabafo. Todas essas ações, apesar de diminuírem momentaneamente o sofrimento, não fazem parte, de modo algum, do escopo ético que alicerça a psicoterapia de base psicanalítica.

Antes de conceituar o que é e no que consiste uma psicoterapia, vale observar que essas precisões terminológicas e técnicas podem ter um efeito contrário, ou seja, pôr o psicólogo clínico num lugar místico, como um tipo de profissional que faz diferente de todo mundo. Essa é uma verdade mentirosa. De fato, o psicólogo clínico possui um arsenal metodológico singular e isso certifica a afirmação de que um psicólogo faz diferente de todos os outros que dizem lidar com o sofrimento subjetivo. Por outro lado, não é verdade que o psicólogo é um mago, alguém que, num passe de mágica, num truque, pode desvendar a verdade de cada um, o diagnóstico imutável pertencente a mais profunda camada do ser.

Isto posto, o psicoterapeuta não é nem atua como um padre, um médico, um farmacólogo, um grande amigo ou uma habilidosa cartomante. Então, o que é psicologia clínica?


3 O QUE É PSICOLOGIA CLÍNICA


Partindo-se da negativa anteriormente exposta, depreendem-se alguns primeiros passos do que é psicologia clínica: um encontro periódico, reorganização do sofrimento psíquico que, via de regra, resulta na diminuição de sintomas e conseqüente transformação subjetiva/mudança de posicionamento.

O que há de comum da psicologia clínica com as outras práticas supracitadas (padre, cartomante, massoterapeuta, amigo etc.) é que ela atua na forma de uma relação entre dois sujeitos (ou mais, no caso da psicoterapia de grupo). No entanto, essa relação é ancorada numa técnica e num método sistemático proveniente da abordagem específica escolhida. Essa característica da psicologia clínica não a coloca necessariamente ao lado das doutrinas positivistas inseridas na farmacologia e psiquiatria. O método da psicologia clínica não é algo duro e/ou estático, mas um dispositivo que cria condições para uma experiência que se dá no interior de um setting terapêutico, isto é, de um enquadre ou de um consultório, por exemplo.

Conforme Porchat (1989, p. 11) “todo terapeuta trabalha com um referencial teórico que é o suporte para sua intervenção na situação psicoterápica”. Esse suporte contém uma visão de mundo, de homem, de sofrimento, de cura, de intervenção. Não obstante a diversidade do campo psicológico que resulta numa pluralidade de abordagens (behaviorismo, psicanálise, humanismo, psicodrama, dentre outras), o fio condutor que une e demarca esse campo de dispersão própria da psicologia é o trato com as dimensões da subjetividade a partir de uma corrente psicológica.

Resumidamente e para finalizar este ponto, a psicologia clínica é uma prática ancorada numa teoria que fundamenta a intervenção e um tratamento periódico que resulta no alívio do sofrimento através de uma mudança subjetiva.


4 A INTERAÇÃO TEORIA, TÉCNICA E PSICOTERAPIA: O PAPEL DO ESTUDO DE CASO E SUA EVOLUÇÃO NA PSICANÁLISE


Segundo Freud (2006), psicanálise é um nome de um procedimento para a investigação dos processos mentais, um método para o tratamento de distúrbios neuróticos e uma coleção de informações psicológicas obtidas a partir da técnica e da psicoterapia se acumulando em uma nova disciplina. Em linguagem contemporânea e de acordo com Laplanche e Pontalis (1996), a psicanálise pode ser definida em três registros: como um método de investigação consiste essencialmente em evidenciar o significado inconsciente das palavras, das ações, das produções imaginárias (sonhos, fantasias, delírios) de um sujeito; um método psicoterápico baseado nesta investigação e especificado pela interpretação controlada da resistência, da transferência e do desejo; um conjunto de teorias psicológicas e psicopatológicas em que são sistematizados os dados introduzidos pelo método psicanalítico de investigação e tratamento.

A psicanálise é, portanto, um método de investigação e psicoterápico, como também um conjunto de noções e conceitos sobre, por exemplo, a dinâmica do psiquismo e um conceito singular de homem. Historicamente, vale frisar que a psicanálise não é um bloco monolítico, mas um campo vasto que frutificou numa série de escolas distintas e institutos em vários países. Em certa medida, em resumo, nãopsicanálise, mas sim psicanálises que giram em torno de noções básicas sobre o homem como as de inconsciente, pulsão, fantasia e recalque; sobre a técnica, como as de associação-livre, transferência e interpretação; e sobre a psicologia e psicopatologia, como as de neurose, psicose, perversão, estados limítrofes e demais afecções do psiquismo.

A gênese da psicanálise e sua consolidação como técnica, teoria e psicoterapia é formada sobremodo por uma constante formulação e reformulação de Freud, seu fundador. A esse respeito, Etchegoyen (2004, p. 21) afirma queem psicanálise sempre há uma técnica que configura uma teoria e uma teoria que fundamenta uma técnica”. O que significa afirmar que a psicanálise é uma determinada abordagem técnica que conduz inexoravelmente a uma teoria que, por sua vez, gravita retroativamente sobre a técnica e a modifica para torná-la coerente com novos achados – e assim indefinidamente.

É nessa gênese da psicanálise como constante processo de reconstrução de si como técnica, teoria e psicoterapia, que se inscrevem os estudos de caso. Eles servem, em Freud, sobretudo, como laboratórios onde conceitos são problematizados e a psicanálise como um todo é atualizada a partir dos fenômenos clínicos que surgem durante a prática psicoterápica. Na pré-histórica da psicanálise, por exemplo, foi uma das pacientes de Breuer, médico muito próximo a Freud e com quem compartilhava suas intervenções, que deu uma definição precisa do que viria a ser a psicanálise: uma cura de falar. Isto é, uma cura que se dá não a partir do uso do método hipnótico nem a partir de quaisquer outros meios externos, mas uma cura que se sustenta no próprio paciente, em seu discurso e nas intervenções do psicanalista.

Uma das primeiras grandes obras de Freud, ainda parceiro de Breuer, chama-se Estudos sobre a Histeria, aproximadamente de 1893, onde são apresentados quatro casos clínicos e uma série de considerações teóricas a partir desses casos. Assim, é como se os casos fossem a matéria prima sobre a qual Freud parte para suas considerações sobre o funcionamento do psiquismo. Não é à toa que a estrutura formal envolva, nessa ordem, casos clínicos (que seria, grosso modo, a parte técnica e prática), considerações teóricas (em linhas gerais a teoria que fundamenta essa prática) e a psicoterapia da histeria (conclusões novas surgidas a partir da discussão dos casos e das reflexões).

Essa dinâmica psicanalítica de constante reconstrução que vai da apresentação do estudo de caso, passa pelas considerações teóricas a partir dele e desemboca em proposições clínicas interventivas pode ser verificada em praticamente toda a obra freudiana. Por exemplo, é isso que acontece, alguns anos depois, por volta de 1901, com o Caso Dora, onde a partir da apresentação do caso, de sua discussão e proposição, Freud chega a considerações novas sobre a transferência e o sintoma histérico, realizando proposições sobre a conduta técnica do psicoterapeuta; com o caso clínico que ficou conhecido comoPequeno Hans”, onde Freud constrói e consolida a noção de fobia; com o caso clínico conhecido como “O homem dos ratos”, onde se consolida a noção de neurose obsessiva; com o “Caso Schreber”, onde, apesar de não ter havido sessões clínicas propriamente ditas, houve uma exposição em formato de caso clínico e suas considerações posteriores sobre a psicose.

Isto posto, conclui-se que na psicanálise propriamente freudiana os estudos de caso possuem lugar de relevância para a atualização da técnica, teoria e psicoterapia. De modo que a prática clínica é uma espécie de tribunal que julga se os conceitos dão ou não conta do sofrimento ali apresentado, se a técnica é ou não suficiente para manejar o que se apresenta ao psicanalista e, sobretudo, se a psicoterapia psicanalítica é capaz de dirimir o sofrimento psíquico e transformar a subjetividade enferma.

O conceito de transferência é um dos que simbolizam perfeitamente essa relação entre teoria e prática na psicanálise, sendo também um dos conceitos fundamentais para a psicoterapia psicanalítica qualquer que seja a sua vertente escolhida. A primeira aparição deste conceito se dá na primeira grande obra, citada anteriormente, fundante da psicanálise intitulada “Estudos sobre a Histeriaescrita em conjunto por Freud e Breuer.

Após a apresentação dos casos clínicos e as considerações teóricas, partindo para noções sobre psicoterapia da histeria, portanto, Freud (1996) conceitua a transferência como uma falsa ligação, isto é, sinaliza um processo pelo qual o paciente transfere para a figura do psicanalista as representações aflitivas que emergem do conteúdo trabalhado em análise. Freud dá um exemplo bastante simples e elucidativo a esse respeito: comenta que, numa de suas pacientes, a origem do sintoma histérico específico estava num desejo, que ela tivera muitos anos antes e relegara de imediato ao inconsciente, de que o homem com quem conversava numa determinada ocasião ousasse tomar a iniciativa de lhe dar um beijo. No fim de uma sessão, surgiu nessa paciente um desejo semelhante a respeito de Freud, isto é, de lhe beijar. Horrorizada a paciente ficou com esse súbito desejo e passou uma noite de insônia. Na sessão seguinte, embora não tenha se negado à psicoterapia, o estado psíquico em que ela se encontrava tornou todo o trabalho inútil. O que aconteceu é que se produziu uma falsa ligação entre Freud e sua paciente, uma vez que o desejo não tinha nada a ver com ele, embora tivesse muita ligação com o desejo e o inconsciente da paciente em questão.

Assim, desde a primeira conceituação de transferência, tem-se não a dialética psicanalítica entre teoria, técnica e psicoterapia, como também, a nível conceitual exclusivamente, a idéia de que na transferência estão imbricadas as noções de que se trata, concomitantemente, de um obstáculo ligado diretamente ao conceito de resistência, e de um processo pelo qual aquilo que se transfere para a pessoa do psicanalista são acontecimentos que estão na base dos sintomas patogênicos. Em linguagem popular, pode-se dizer que, desde o princípio, a transferência surge como uma faca de dois gumes, podendo tanto obstaculizar (através da resistência) quanto potencializar a psicoterapia (através da transferência de conteúdos inconscientes para a psicoterapia).

Essa relação imbricada entre resistência e transferência é sublinhada pelo próprio Freud (2006a, p. 26):

Assim talvez se possa dizer que a teoria da psicanálise é uma tentativa de explicar dois fatos surpreendentes e inesperados que se observam sempre que se tenta remontar os sintomas de um neurótico a suas fontes no passado: a transferência e a resistência. Qualquer linha de investigação que reconheça esses dois fatos e os tome como ponto de partida de seu trabalho tem o direito de chamar-se psicanálise, mesmo que chegue a resultados diferentes dos meus.

Aquilo que se colocou na ordem da prática como surpresa é recodificado na psicanálise como conceito que sustenta uma intervenção psicoterápica e que reconfigura e faz surgir novos conceitos. Sempre atento às vicissitudes da práxis psicanalítica, o próprio conceito de transferência foi se modificando.

Em 1905, durante o atendimento de uma paciente que ficou conhecida sob o título de o “caso Dora”, Freud consolida ainda mais a noção de transferência. Afirma (FREUD, 2006c) que as transferências são reedições, reprodução das moções e fantasias que, durante o avanço da análise, despertam-se e tornam-se conscientes, mas com a característica de substituir uma pessoa anterior pela pessoa do psicoterapeuta. As transferências são, por assim dizer, toda uma série de experiências psíquicas prévias que são revividas, não como algo do passado, mas como um vínculo atual com o psicoterapeuta. Trata-se, isto posto, de reimpressões e reedições de conteúdos.

Apesar desse conceito de transferência estar sustentado teoricamente no primeiro, convém dizer que o caso Dora é constituído apenas de um fragmento de análise, isto é, tratou-se de uma paciente cujo tratamento psicanalítico pode ser visto como um fracasso, uma vez que Dora interrompeu o tratamento com ele ainda em andamento. Por outro prisma, contudo, o caso foi eficaz na medida em que contribuiu sobremaneira para um aperfeiçoamento da noção de transferência como uma falsa conexão entre passado e presente mediada pela figura do psicanalista. Pode-se afirmar, então, que o fato de a análise ter sido insuficiente contribuiu, enquanto fenômeno prático da clínica, para um aperfeiçoamento teórico da noção de transferência.

Em 1912, escrevendo artigos cujo objetivo é fundamentar a teoria e a técnica psicanalítica, após a experiência clínica dos casos citados, Freud pretendeu dar uma noção ainda mais profunda do que é a transferência. Realizando o percurso inverso – não mais partindo da técnica para a teoria e depois para a psicoterapia – Freud procurou dar bases propriamente metapsicológicas ao termotransferência”, que passa estar conectado à idéia de complexo edípico. Freud (2006c, p. 111) diz que se deve compreender que cada indivíduo conseguiu, ao decorrer da vida, um método específico particular de conduzir-se na vida erótica. Ou seja, o que sustenta a transferência não é mais a estrutura neurótica do sujeito, mas sim a estrutura libidinal reprimida pelo conflito edípico, ocasionando regressão aos objetos fantasmáticos infantis. A transferência é a atualização do complexo edípico, uma regressão portanto.

Viu-se como a psicanálise parte de seus estudos de caso, da reflexão sobre eles, para elaborar novos conceitos e aplicá-los novamente à prática psicanalítica.


5 A CONSTRUÇÃO DO ESTUDO DE CASO NA PSICOTERAPIA DE BASE PSICANALÍTICA


Os estudos de casos em psicanálise surgiram com as anotações dos relatos de sessão de Freud, ele foi construindo sua teoria em cima das observações e anotações feitas durante as sessões clínicas e transformou alguns desses relatos em casos clínicos conhecidos por todos nós. Nos relatos dos 5 principais casos clínicos citados anteriormente (Anna O., o caso Dora, Pequeno Hans, presidente Schreber, Homem dos Ratos) Freud inicia descrevendo o sintoma ou a doença de cada paciente, seguindo com a descrição do “Caso Clínico” e “Análise”.

Para Lacan (1986), os Cinco casos de psicanálise atestam, acima de tudo, a preocupação freudiana de obter do paciente a restauração de seu passado, restauração esta que consiste numa reintegração de sua história, ou seja, numa reinterpretação do passado a partir da vivência atual. Não apenas cada paciente tem uma história singular, como tem sobretudo uma interpretação singular de sua história. É precisamente essa maneira particular de reviver o passado que individualiza cada caso e faz existir a psicanálise.

O caso clínico refere-se às singularidades de cada sujeito e de seus discursos sobre sua vida, suas angústias durante as sessões com o analista. Devemos pensar que não existe estudo clinico sem teoria como também não existe teoria sem clínica.

Assim, em psicanálise, definimos o caso como o relato de uma experiência singular, escrito por um terapeuta para atestar seu encontro com um paciente e respaldar um avanço teórico. Quer se trate do relato de uma sessão, do desenrolar de uma análise ou da exposição da vida e dos sintomas de um analisando, um caso é sempre um texto escrito par ser lido e discutido (NASIO 2001).

O estudo de caso nunca será a reprodução fiel do caso clinico. A reconstrução que o analista fará do caso, de preferência, quando finalizado, se transformará numa história fictícia, pois essa transformação do caso com o auxilio da teoria psicanalítica, terá uma função didática, como também, haverá interferências do terapeuta, hipóteses criadas a partir da escuta e da sua imaginação, sendo essa transformação sempre do real para a ficção.

O caso se define, portanto, como o relato criado por um clínico, quando ele reconstrói a lembrança de uma experiência terapêutica marcante. Tal reconstrução pode ser uma ficção, uma vez que o encontro com o analisando é rememorado através do filtro da vivência do analista, readaptado segundo a teoria que ele precisa validar e, não nos esqueçamos, redigido de acordo com as leis restritivas da escrita (NASIO, 2001).

Na psicanálise de matriz freudiana o estudo de caso funciona como um constante processo de atualização da teoria, técnica e psicoterapia. Evidentemente, um outro fator implícito é que o estudo de caso funciona também como modo de divulgação da existência e da eficácia das intervenções de base psicanalítica. Além de seu objetivo epistemológico – isto é, da ordem do saber psicanalítico e de sua evolução enquanto teoria, técnica e psicoterapia – há também o objetivo institucional e político de demarcar espaço dentre as demais psicoterapias existentes, de mostrar principalmente a aplicabilidade e eficácia da psicoterapia de base psicanalítica.

Assim, pode-se considerar que o estudo de caso é formativo, pois resulta do processo reflexivo do psicoterapeuta e o conduz ativamente a formular sua metapsicologia clínica.


6 NOSSA PROPOSTA DE COMO ESCREVER UM ESTUDO DE CASO NA PSICOTERAPIA DE BASE PSICANALÍTICA


Doravante, apresentaremos a nossa proposta de como escrever um estudo de caso na psicoterapia de base psicanalítica, utilizada por nós em nossos estágios na clínica-escola de psicologia da Universidade Tiradentes (UNIT). Propomos que o estudo de caso seja realizado através de seis passos que foram desenvolvidos baseados em leituras, experiências práticas da supervisora.

1. Apresentação do paciente: Deve conter as iniciais do paciente, como o paciente se apresentou, higiene, vestimenta, se estiver acompanhado, descrição do acompanhante, aspecto geral, humor, pontualidade.

2. Queixa do paciente: Primeiro relato de dor (sofrimento), o motivo da procura pela psicoterapia. Podemos relacionar a queixa com os acontecimentos da sua história de vida. Essa queixa não necessariamente vai permanecer, ela é a forma de chegada, representa o desejo do trabalho psicológico.

3. Descrição da conduta terapêutica adotada na sessão: Como foi trabalhado durante a sessão com o paciente adulto, adolescente ou criança e em alguns casos com o paciente e a mãe. Nesta etapa trabalha-se a transferência, a escuta, a simbolização, a angústia do paciente, relacionados ao método.

4. A natureza do sofrimento psíquico: o sofrimento é decorrente de quais situações? Existe uma natureza traumática? Qual a dinâmica psíquica do sujeito? Quais são as defesas? Qual o papel do sintoma na sua economia psíquica? Onde começou a queixa? Está relacionado à formulação da personalidade.

5. Hipótese interpretativa: Diante da compreensão da natureza e dinâmica do sofrimento psíquico do paciente, dos processos de transferência e contratransferência, o psicoterapeuta pode após um tempo de trabalho, avançar uma hipótese interpretativa que será aceita ou não pelo paciente e que vai mobilizar o processo de elaboração. É importante ressaltar que o entendimento da natureza do sofrimento psíquico e a formulação da hipótese interpretativa exigem íntima relação com a teoria. Deve ser escrita após algumas sessões, porque no início não temos dados suficientes para essa descrição.

6. Fechamento da sessão: No fechamento da sessão deve-se relatar como foi o plano de trabalho, e o que será feito na próxima sessão. O plano de trabalho está relacionado ao projeto.

Como forma de dar mais inteligibilidade ao modelo proposto, apresentamos, a partir de agora, um caso analisado recentemente por nós, o qual chamaremos ficticiamente de “Sílvia”.


7 ESTUDO DE CASO – SÍLVIA


Apresentação: Sílvia é uma senhora de 50 anos aproximadamente que procurou o serviço de psicoterapia da clínica-escola há quatro anos, tendo passado nesse período por diversos estagiários. Nós a atendemos pelo período de seis meses. Sempre se apresentou às sessões com aparência bastante saudável.

Queixa: Segundo Sílvia, ela não tem muitos problemas na vida. De seu marido, hoje em dia nada pode reclamar, levam atualmente uma vida boa de casados, muito embora se lhe perguntassem issoalguns anos atrás ela dissesse que sua vida era um inferno no casamento. Seus filhos também são considerados por ela como ‘uns amores de pessoas’, responsáveis e felizes. Seu problema todo, segundo palavras dela própria, é a sua filha e a relação desta com seu marido. Diz que eles não se batem, pois são muito parecidos: ambos são arrogantes, não cedem, vivem brigando entre si. Tal situação provoca em Sílvia uma posição incômoda de ser uma espécie de “leva-e-traz”, algo como umpombo correio”, um meio caminho sempre entre ambos. Muitas vezes eles não falam entre si, mas mandam recados por ela, o que a machuca bastante, pois o pai diz coisas que não deveriam se dizer jamais a um filho. Tais coisas a machucam e a fazem chorar. Diz que é um problema antigo entre os dois e que talvez nunca seja solucionado. Trouxe também que em diversas ocasiões cai enferma com dores físicas insuportáveis, tristeza profunda. Por isso se consulta frequentemente com médicos e toma medicamentos.

Conduta Terapêutica: Trabalhou-se, nas primeiras sessões, para que a paciente percebesse que seu desconforto físico poderia advir de conflitos psíquicos. Ou seja, de que a confusão entre marido e filha também tinha um componente interno que a fazia sofrer e ficar angustiada. Trabalhou-se, neste quesito, em cima da afirmação da paciente de que os exames nunca constatavam nada de grave ou orgânico em suas doenças rotineiras. O primeiro eixo de trabalho foi a percepção da culpa e do desconforto físico como índice desse mal-estar subjetivo.

O segundo eixo consistiu no questionamento desse mal estar, avançando a hipótese no posicionamento subjetivo diante do sofrimento, cuja origem estava no ato inaceitável envolvendo marido e filha, possível relação de incesto ocorrido e perpetuado. Essa posição subjetiva se sustentava no compartilhamento da paciente com seu marido de uma fantasia perversa que lhe tinha como ganho a suspensão da culpa. Portanto, através de uma aliança perversa com o seu marido, a paciente pôde suspender sua culpa subjetiva consciente, realizando, portanto uma espécie de desmentido, tornando-se cúmplice do ato do marido com a filha.

O terceiro eixo consistiu em confrontar a formação reativa da paciente como mãe super protetora e atenciosa com essa situação perversiva. Foi trabalhado o ponto problemático entre o lugar de esposa e o lugar de mãe. Como o acontecimento deslegitimava o lugar de pai, para não ter o desgaste de uma separação conjugal a paciente o colocou no lugar de marido, somente. Por conseqüência, a filha passou a ser uma rival desse amor paterno e masculino. Nas brigas constantes entre marido e filha, as questões passaram a ser interpretadas a partir da idéia de que são “duas pessoas que não se batem, assim como alguém que olha para outra e não se dá, o santo não bate”.

Portanto, esse terceiro eixo consistiu em problematizar essas posições de mãe e de mulher, juntamente com suas conseqüências, buscando, dentre outras questões, eliminar a rivalidade com a filha.

Hipótese Interpretativa: No decorrer dos atendimentos, percebemos que a queixa deixava implícito o conflito da paciente, ou seja, tratava-se, de fato, de uma “querelaque envolvia pai/marido e filha. O que se verificou era que se tratava, também, de um grande segredo, o qual consistia num acontecimento inaceitável para a instituição familiar. Clinicamente, tratava-se de um triângulo edípico (pai/mãe/filha) e um triângulo perverso (ato/transgressão/suspensão da culpa). Esse acontecimento sustentava o sofrimento de Sílvia. Em vão, ela tentava transformar a questão em “uma briga sem sentido e sem solução”, quando ela própria sabia que se tratava de algo muito grave e da qual ela sentia necessidade, como mãe protetora que se considera, de intervir diretamente. Havia o surgimento do mal-estar como sintoma da ansiedade que advinha da culpa pela escolha feita pelo marido e não pela filha, transformando esta em rival que disputa um mesmo objeto masculino.

Natureza do sofrimento psíquico: Sobre a personalidade em questão, pode-se levantar a hipótese de que se trata de uma neurose obsessiva (que se atualizava na transferência a partir de uma tentativa de controle do que era dito em sessão como também dos conteúdos para serem trabalhados, por exemplo) com saída perversa como via que proporciona a suspensão da culpa do conflito neurótico. O sofrimento de Sílvia era decorrente de uma tentativa, ora fracassada ora bem-sucedida, de suspender a culpa pelo compartilhamento perverso com seu marido. O sintoma aparecia como presentificação desse conflito subjacente, inscrevendo-se no corpo através de sensações de mal-estar, tais quais a dor de cabeça, ansiedade e demais sensações congêneres, e também no pensamento através de mecanismos de defesa como racionalização e deslocamento.


8 CONSIDERAÇÕES FINAIS


No caso de Sílvia, a resolução da paciente foi tentar reparar a culpa cuidando da filha de sua filha, ou seja, sua neta. Em uma série de situações, a vingança da filha de Sílvia se dava através de uma exigência de que, se ela não tinha sido sua mãe, teria de ser, obrigatoriamente, mãe de sua própria filha. A angústia na psicoterapia se agudizou principalmente porque a filha de Sílvia ficou grávida e teve outro neném. Todo esse conflito, perpassado com certa destrezaalguns anos atrás, atualizava-se com toda a força a partir deste acontecimento.

A situação perversiva, uma das fontes de angústia deste caso, vinha à tona constantemente nas sessões, colocando uma escolha para Sílvia: entre seu compartilhamento perverso que denegava o sofrimento físico e psíquico de sua própria filha ou sua condição de mãe protetora, que ela própria tentava sustentar, que lhe impelia para uma ação remediadora desse conflito neurótico entre as posições de mulher e mãe. Sílvia optou pordar um tempo” na psicoterapia, segundo suas próprias palavras. Alegou estar bem, embora estivesse se cuidando com relação a medicamentos. Sílvia havia encontrado a solução para sua culpa, dizia-se menos angustiada e resolvida a cuidar da neta (ser avó, mãe por tabela) ao mesmo tempo resolvera não se meter mais na briga da filha e marido porque são iguais, e, se aconteceu algo entre eles, é porque se merecem, ou porque a primeira provocou o segundo.

O estudo de caso de Sílvia nos fornece bom material para refletirmos sobre a modificação subjetiva, apontada na introdução dessa escrita, que consiste numa passagem do modelo de sofrimento neurótico para o perverso. Durante todo o tratamento, Sílvia não esboçou nenhuma saída pela neurose, isto é, por uma culpa; mas sim pela perversão. Exemplo disso é que as explicações para o acontecimento entre filha e marido se davam sempre pendendo para o segundo: a filha é que era sem vergonha, vivia se exibindo, e o segundo era homem, como todos, não poderia ter resistido. Através desse compartilhamento perverso com o marido, tornou-se possível à Sílvia suspender a culpa a ponto de suportá-la e praticamente esquecê-la transformando um acontecimento traumático para a filha em um evento premeditado por esta ou mesmo querido e provocado.

Contudo, há elementos neuróticos e elementos perversos em jogo neste caso de Sílvia. O que nos leva à seguinte problematização: essa passagem, indicada por uma série de autores contemporâneos, não deve ser vista como uma mudança em bloco da neurose para a perversão excluindo-se todos os aspectos da primeira e soberania total da segunda, de forma mecânica. Sem dúvida, a nossa atual sociedade dispõe e fornece ao sujeito uma série de saídas perversas, porém, como se pôde perceber no caso de Sílvia, não fosse a culpa rosnando do fundo do inconsciente como um leão inquieto, não teria sido possível um trabalho com e sobre ela. Ou, o que também pode ser outra hipótese, pode ser que estivemos bastante próximo de um tipo de sofrimento próprio da posição perversa como saída para a culpa neurótica.

Esperamos chegar ao final dessa escrita com o objetivo cumprido, isto é, conseguindo mostrar a relevância do estudo de caso para a psicoterapia de base psicanalítica. Através da apresentação do caso de Sílvia, quisemos também exemplificar como um caso clínico pode nos propor questões acerca de problematizações contemporâneas sobre a subjetividade e o sujeito.


SOBRE OS AUTORES


Leomir Cardoso Hilário, Psicólogo, formado pela Universidade Tiradentes e aluno especial do mestrado em psicologia social da Universidade Federal de Sergipe., entre 2009 e 2010 leomirhilario@yahoo.com.br; Angelica de Fátima Piovesan, graduanda do 9º Período de psicologia da Universidade Tiradentes. angelicapiovesan@hotmail.com; O presente trabalho foi originado a partir dos estágios na clínica-escola de ênfase I e II, sob a supervisão da professora Dra. Marilucia Pereira Lago, marilucialago@yahoo.fr.


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