Sobre o objetivo deste blog.

Os textos a serem postados aqui neste blog se referirão sobremodo ao campo da clínica (da psicoterapia e da técnica) e suas interfaces, tais quais, a arte (literatura e cinema) e o social (política e subjetividade). O objetivo deste blog é servir como um meio de informação acerca da relevância e viabilidade do processo psicoterápico, bem como levar à reflexão acerca da contemporaneidade através do arcabouço teórico psicanalítico.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Todos precisam de psicoterapia?

Essa frase acabou virando um senso-comum e, como tudo o que cai na boca do povo, tem lá sua verdade e eficácia. Porém, é mais do que imprudente que os psicólogos encampem essa generalização. Se o compromisso ético do psicólogo é com uma modalidade específica de cuidado, endossar uma espécie de psicologização pode ser contraproducente, embora financeiramente rentável. Existem algumas condições de possibilidade para o surgimento, consolidação e efetivação de uma psicoterapia. Condições estas que garantem, de algum modo, aquilo que a psicoterapia se propõe a fazer. A minha intenção nesse curto texto é tentar dar conta do que leva a essa idéia de que todos nós precisamos de psicoterapia e quais são as precauções éticas, quer dizer, que tipo de posicionamento ético é viável diante dessa demanda social. É ilustrativo a esse respeito tomar conhecimento do fato de que o Rivotril foi o segundo medicamento mais vendido no Brasil em 2008, perdendo apenas para o Microvlar (um anticoncepcional). Antes mesmo de falar qual é a função do Rivotril, convém ainda deixar mais claro o dado: ele vendeu mais do que Tylenol (aquele remedinho que, com certeza, você já viu alguém tomando ou pedindo para tomar). Não deixa de ser surpreendente o fato de um remédio controlado, tarja preta, com venda controlada e necessária receita médica, tenha sido tão vendido e até hoje muito procurado. Isso levanta uma discussão bastante próxima da que estou querendo propor aqui: será que, realmente, tantas pessoas precisam fazer uso desse medicamento?

Vamos dar nomes aos bois. Rivotril é um ansiolítico, ou seja, age contra a ansiedade, controlando-a. É também usado como relaxante muscular, podendo ser ativado no caso de uma insônia, por exemplo. Existe um tipo de “efeito bem-estar”, por isso há até quem o use devido a um fim de relacionamento. Acontece uma extrapolação médica na medida em que remédios são usados para intervir em questões de ordem cotidianas, em certa medida até naturais/esperados no curso de uma vida saudável e minimamente estável. 

O que há, hoje em dia, é um certo império da felicidade com suas drogas da alegria. É como se houvesse uma onda que quisesse extirpar da vida tudo aquilo que seja supostamente negativo, como a dor, o sofrimento, a imperfeição etc. Em minha opinião, a psicologia não deve participar dessa onda. Afinal de contas, assim como não só existem rosas em nossa vida, mas também duros espinhos (como a perda de um ente querido, o final de uma relação, uma tristeza repentina), a psicoterapia também é um percurso humano, o qual não deve haver nem uma necessidade imperiosa e genérica, tampouco se colocar como um privilégio ou um luxo. 

É certo que a psicoterapia é saudável e salutar para um bom número de pessoas, assim como o Rivotril, se usado corretamente e com maior precisão terapêutica, também pode ser muito bem indicado. No entanto, ambos são provisórios, momentâneos. A diferença radical entre ambos é que a psicoterapia trata de uma travessia singular de cada um, cuja construção dinâmica é um campo aberto de possibilidades de autoconhecimento. É nesse sentido que podemos dizer que a psicoterapia é indicada para toda e qualquer pessoa, mas não usando o verbo “precisar” pois ele supõe uma necessidade. A psicoterapia se coloca hoje como um espaço viável num mundo de fugas. Ela pode, e em alguns casos deve, provocar um bem-estar relativo e constante. Já o Rivotril não, trata-se de uma generalização absurda e abusiva.

Enquanto o Rivotril pressupõe uma espécie de autocontrole, a psicoterapia produz um autoconhecimento. O verbo “precisar” até combina com autocontrole, mas não com autoconhecimento. Portanto, a frase poderia ser melhor formulada do seguinte modo: “a psicoterapia é uma experiência viável e salutar para todos”. Apesar de parecer sutil, essa mudança terminológica pode ser um bom instrumento para que não caiamos na idéia psiquiatrizante de que “todos precisam de Rivotril”, desde aquele trabalhador cujo sono está perturbado pela iminência da demissão até aquela jovem garota cuja crença é a de que entrou em depressão por ter terminado com seu príncipe encantado, passando pelo idoso.
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Isto posto, de minha parte, prefiro me contentar em afirmar a psicoterapia como um processo viável para toda e qualquer pessoa. Não nego que ela seja, em alguns casos, necessária, imprescindível. O que quis pontuar até aqui foi somente de que os psicoterapeutas não podem entrar nesse frenesi generalista. 

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